Você não entende o Bitcoin porque você pensa que o dinheiro é real

O dólar americano (e o real também) é apenas uma ilusão com maior aceitação popular

Esta é uma tradução do texto “You Don’t Understand Bitcoin Because You Think Money Is Real” da autora Maria Bustillos publicado originalmente no dia 30 de novembro de 2017.

Tradução por Leta.

Com a palavra, a autora:

O bitcoin é uma ilusão, uma alucinação em massa, costumam dizer. São apenas números no ciberespaço, uma miragem, insubstancial como uma bolha de sabão. O Bitcoin não é apoiado por nada além da fé dos tolos que o compram e dos tolos maiores que o compram desses tolos menores. E quer saber? É justo. Tudo isso é verdade.

O que pode ser menos fácil de entender é que dólares americanos também são uma ilusão. Eles também consistem principalmente em números que existem no ciberespaço. Às vezes, eles são armazenados em papel ou moedas, mas embora o papel e as moedas sejam materiais, os dólares que eles representam não são. Os dólares americanos não são respaldados por nada além da fé dos tolos que os aceitam como pagamento e de outros tolos que, por sua vez, concordam em aceitá-los como pagamento deles. A principal diferença é que, pelo menos por enquanto, a ilusão, no caso dos dólares, é acreditada de forma mais ampla que o Bitcoin.

Na verdade, quase todos os nossos dólares americanos, cerca de 90 por cento, são puramente abstratos — eles literalmente não existem em nenhuma forma tangível. James Surowiecki relatou em 2012 que “apenas cerca de 10 por cento da oferta monetária dos EUA — cerca de $1 trilhão do total de cerca de $10 trilhões — existe na forma de papel-moeda e moedas”.

(O número agora parece ser cerca de $1,5 trilhão dos $13,7 trilhões.) Não há nada que impeça nosso sistema bancário de criar mais dólares sempre que tiver vontade. Dos $13,7 trilhões na oferta monetária do M2 em outubro de 2017, $13,5 trilhões foram criados depois de 1959 — ou, dito de outra forma, o M2 se expandiu quase 50 vezes.

Nota do tradutor: não preciso nem falar que esses números parecem brincadeira de criança se a gente comparar com a quantidade de dinheiro que foi emitida desde o inicio da pandemia do coronavírus em 2020, como a imagem abaixo ilustra:

O dólar americano é conhecido como moeda “fiduciária” (o real também). Fiat é o latim para “haja”, como em fiat lux, haja luz; portanto, fiat denarii, que haja liras, bolívares, dólares e rublos. A tentação dos líderes dos Estados-nação de fabricar dinheiro tem sido praticamente irresistível historicamente. Um resultado evidente dessa libertinagem é a inflação: o poder de compra de $1 em 1959 é agora um pouco menos de 12 centavos.

O Bitcoin foi criado, em parte, para lidar com essa fraqueza histórica. Depois que o 21 milionésimo bitcoin for extraído, por volta de 2140, o sistema não produzirá mais.

Charlatanos e ladrões sempre tentarão manipular as várias estruturas postas em prática para controlar e/ou contabilizar qualquer sistema monetário e, de fato, qualquer reserva de valor (ver: os vigaristas do Panama and Paradise Papers, Bernies Cornfeld e Madoff, o London Whale, LTCM e BCCI, os ladrões espertos e silenciosos de tesouros do Museu Gardner em Boston, a crise financeira de 2008 e resgates associados e os roubos em Mt. Gox, o DAO e Tether). Todas as reservas de valor são alvos. E usando qualquer sistema de troca — por meios justos ou ruins — fortunas podem e serão feitas e perdidas. E, no entanto, por mais surpreendente que às vezes possa parecer, há um número suficiente de pessoas agindo de boa fé para evitar que os sistemas monetários entrem em colapso total.

Existem algumas diferenças radicais entre criptomoedas e dólares americanos. Por exemplo, as transações conduzidas no sistema bitcoin são registradas em um livro razão não falsificável que não depende da autoridade de bancos ou governos, mas da força de uma rede pública de computadores em que (teoricamente, pelo menos) qualquer pessoa é livre para entrar. Além disso, novamente, o suprimento de bitcoins é finalmente fixo. O anonimato da criptomoeda não é, talvez, tão à prova de balas quanto o anonimato do dinheiro (não marcado).

O próprio dinheiro é uma ilusão, uma alucinação em massa. Você está trabalhando duro para ganhar mais, aumentar e manter o seu patrimônio mas, mesmo assim, a única coisa real sobre isso é seu poder simbólico. O que é realmente incrível, se você considerar de um certo ângulo.

Nosso entendimento comum do valor daquele pedaço de papel verde, do Krugerrand, da ficha de éter ou moeda de uma libra, é tudo o que conta. E esse entendimento compartilhado não tem significado fixo; está em um fluxo eterno. O “valor” de todo dinheiro, todas as reservas de câmbio, é instável e abstrato, mesmo em face de cada tentativa de garanti-lo — digamos, com uma taxa de câmbio fixa contra vários ativos — ou para regular seu fluxo através da fixação de taxas de juros . O dinheiro é apenas uma rede inconstante de acordos feitos, e isso é tudo o que sempre foi — um fio frágil em uma rede de confiança humana.

Considere o “capital de fuga” que os refugiados são forçados a comercializar com enormes perdas para cruzar uma fronteira hostil. Isso é dinheiro, mas o que exatamente ele tem em comum com o dinheiro invisível que é seu cheque de pagamento, uma sequência de números colidindo no éter com a sequência de números que é sua conta bancária? Talvez o preço do abacate ou do café suba ou desça entre o momento da colisão eletrônica em seu banco e o dia em que você vai ao mercado. Existem desastres naturais em que as pessoas de repente se dispõem a pagar quantias muito exageradas por alguns galões de água potável. Qual é, então, “o valor de um dólar”?

Todos os argumentos comuns contra criptomoedas, como bitcoin, e a tecnologia blockchain, invariavelmente falham em levar esse fato — a natureza provisória e frágil do dinheiro comum — em consideração. As criptomoedas não podem ser entendidas nem um pouco por quem pensa que o dinheiro é real, sólido ou “apoiado por” qualquer coisa que não seja a confiança humana em instituições cuja estabilidade é sempre incerta. Um dólar americano é “apoiado por” “toda a fé e crédito dos Estados Unidos”. Mas o que exatamente isso significa?

Isso significa que se você levar um dólar para o Tesouro dos EUA e pedir-lhes para resgatá-lo, eles vão: Eles vão te dar … um dólar. Ou quatro moedas de 25 centavos, se você quiser, provavelmente.

O fato lamentável é que crises monetárias em governos instáveis ​​como os da Grécia, Venezuela e Espanha já precipitaram uma série de picos nos mercados de criptos. Quando o governo cipriota tentou resolver a crise bancária do país em 2013 submetendo os depósitos bancários de seus cidadãos a um corte de cabelo de quase 7 por cento, o preço do bitcoin disparou, provavelmente porque, naquele ponto, muitos detentores de euros do sul da Europa com dívidas os governos presumiram que o bitcoin pode representar uma casa mais confiável para seu dinheiro do que os bancos cipriotas poderiam fornecer. Os depositantes de bancos espanhóis devem ter se perguntado: seus próprios bancos seriam os próximos?

Nossas instituições financeiras existentes são profundamente falhas, em suma, e permanentemente sujeitas à corrupção, e isso aconteceu muito antes do bitcoin brilhar em seus olhos de inventor misterioso. Satoshi Nakamoto fez questão de afirmar claramente como o dia no chamado bloco de gênese: “The Times 03 / Jan / 2009 Chanceler à beira do segundo resgate para os bancos.” Bitcoin foi um projeto com motivação política desde o início, um novo sistema explicitamente construído para fornecer um meio digital de troca à prova de falsificação, no qual uma alternativa melhor aos nossos sistemas bancários existentes poderia ser baseada.

A teoria por trás de todas as criptomoedas, incluindo o Bitcoin, é que os registros produzidos por uma rede de computadores distribuída podem ser feitos à prova de falsificação, garantindo assim, teoricamente, a solidez de uma moeda melhor do que os governos. E até agora, apesar de alguns solavancos substanciais no caminho, o sistema da blockchain no qual o bitcoin é construído provou pelo menos parcialmente essa teoria. Um milhão ou mais de bitcoins foram roubados desde 2009, mas o livro-razão distribuído do sistema subjacente, o sistema de contabilidade no qual o bitcoin é baseado, permaneceu estável e incorruptível.

Os muitos roubos e roubos que ocorreram nos primeiros dias do bitcoin lembram o filme O Tesouro de Sierra Madre, um belo drama de ganância e corrupção ambientado na década de 1920. Não pode haver dúvida de que a perspectiva de riqueza instantânea, quase perto o suficiente para tocar, pode levar as pessoas à loucura. Observe, no entanto, que a propensão da ganância para produzir crime e insanidade não fez com que o valor do ouro evaporasse.

A verdadeira advertência aqui é que a incorruptibilidade do livro-razão de bitcoin sobreviveu, não apenas por causa da distribuição do sistema, não apenas por causa de suas salvaguardas criptográficas inteligentes, mas por causa da boa fé e bom senso de desenvolvedores individuais que conduziram o projeto através de sua instabilidade. Sem o sangue frio de Gavin Andresen, que foi efetivamente o único administrador do Bitcoin durante muitos de seus primeiros momentos de crise, o projeto poderia facilmente ter morrido. Mesmo hoje, os vários forks e dores de crescimento que ainda atormentam o sistema Bitcoin fornecem uma espécie de teste de estresse. No momento (esta é apenas minha opinião), a relativa falta de confiança dos desenvolvedores principais do Bitcoin, que muitos acreditam estar planejando estratégias para seu próprio benefício, pode estar infligindo danos duradouros não apenas à causa do Bitcoin, mas também à promessa do blockchain tecnologia em geral.

Como uma questão separada, os especuladores de criptomoedas correram o risco de serem roubados, logo no início, por causa das dificuldades em (1) criar armazenamento seguro e (2) desenvolver sistemas para obter dinheiro comum dentro e fora da criptomoeda com segurança. Por causa de desastres como o roubo de cerca de 800.000 bitcoins na exchange Mt. Gox, que foi descoberto em 2014, todo o ecossistema das criptomoedas ganhou uma má reputação. A impressão pública foi que o próprio Bitcoin foi de alguma forma hackeado, quando na verdade foi a maior “bolsa” que foi hackeada. Assim como o Banco Central de Bangladesh foi privado de $63 milhões em sua conta no Federal Reserve Bank de Nova York no ano passado.

Dizer que “bitcoin é uma fraude” porque malfeitores roubaram as pessoas é exatamente como dizer “a indústria de serviços financeiros é uma fraude” porque a empresa de Jamie Dimon é desonesta. Bitcoin foi usado na dark web para comprar e vender drogas! Bem … a maioria das notas de cem dólares contém traços de cocaína, então se você se opõe às notas de cem dólares nessa conta, por favor, me mande as suas. O fato de ser usado em transações criminosas deslegitima o dinheiro? Não. A verdade é que o dinheiro está contaminado em sua própria natureza.

Em breve, o sistema blockchain agora em uso para garantir que as transações bitcoin irão se transformar e se fundir com outros sistemas, porque seu valor é incalculável. Investidores de Wall Street a Sand Hill Road já investiram quantias significativas de dinheiro, tempo e esforço em negócios baseados em blockchain. Em todos os lugares onde os seres humanos precisam saber com certeza se algo realmente aconteceu ou não, a tecnologia blockchain pode ser programada para nos fornecer informações incorruptíveis sobre isso. Quaisquer que sejam os defeitos no sistema que Satoshi Nakamoto lançou em 2009 — e eles ainda são substanciais — ele provou que realmente existe uma maneira de as pessoas criarem registros garantidos e infalíveis de transações humanas, totalmente sem depender de autoridades externas, como bancos ou governos. Não há como voltar atrás disso.

A luta pela estabilidade em qualquer moeda está sempre em vias de se perder, porque onde quer que haja uma chance de jogar ou forjar uma transação, a natureza humana é tal que alguns tentarão trapacear. Mesmo a estabilidade limitada e precária que temos nos países desenvolvidos requer vigilância e trabalho por parte de inúmeras pessoas com princípios, e nunca há ou haverá certeza. A luta para preservar a ilusão de que o dinheiro é real nunca acaba, e nunca acabará.