Energia e Civilização

Explica Bitcoin
36 min readAug 9, 2021

--

1ª seção do texto “A Bateria Bitcoin”

A Bateria Bitcoin é uma tentativa de explicar, a partir de um modelo mental diferente, porque o Bitcoin é a melhor solução para a implementação em larga escala das “energias verdes” e também a melhor solução para garantir a subsistência de populações carentes por todo o mundo.

Esse modelo mental é uma abstração que tenta explicar, a partir de uma analogia, como o ativo Bitcoin é a melhor bateria já inventada. E como essa nova tecnologia de bateria chamada Bitcoin permitirá que a civilização alcance um novo estágio de desenvolvimento, dado que o avanço da humanidade tem relação direta com a quantidade de energia que ela produz e com qual eficiência ela consegue armazenar, distribuir e utilizar esta energia.

Nesse artigo, nós vamos analisar as tecnologias associadas a geração, utilização e armazenamento de energia que trouxeram a nossa espécie até aqui e também alguns próximos passos possíveis a partir da utilização da bateria Bitcoin. Obviamente será uma análise macro, se não seriam necessárias milhares de páginas sobre cada um dos temas abordados.

A Bateria Bitcoin é subdividido em 3 textos diferentes: 1) Energia e a Civilização, 2) Baterias e a Civilização e 3) A Bateria Bitcoin e suas Consequências.

  • O 1º texto (“Energia e a Civilização”) ilustra como as fontes de energia que a humanidade tem acesso é fator determinante para o estágio da civilização que é possível construir ediscute as fontes de energia verde disponíveis hoje em dia.
  • O 2º texto (“Baterias e o Mundo Moderno”) se aprofunda no conceito de bateria e na necessidade que a humanidade tem de possuir boas baterias e mostra como a “bateria” gasolina mudou o mundo no último século.
  • O 3º texto (“A Bateria Bitcoin e suas Implicações”) explica porque o Bitcoin é uma bateria revolucionária e se debruça nas mudanças que a Bateria Bitcoin deve desencadear no futuro próximo.

Usando a linguagem do mercado financeiro atual, não existe ativo mais ESG que o Bitcoin, que tem como ponto forte claro o G (governança corporativa) no seu código imutável e na sua verdadeira descentralização. Os aspectos de E (meio ambiente) e S (responsabilidade social) são mais difíceis de se perceber em uma análise superficial do Bitcoin, e por conta disso são alvo de intermináveis FUDs.

Esse texto propõe uma visão diferente sobre ambos e mostra como o Bitcoin é um ativo focado no meio ambiente que catalisa o combate as mudanças climáticas ao permitir que empreendimentos de energia “verde” se tornem economicamente viáveis. De fato, não existe uma solução para as mudanças climáticas sem a utilização do Bitcoin em larga escala.

A responsabilidade social também é um aspecto menos óbvio do Bitcoin, mas este texto vai demonstrar como o Bitcoin vai desencadear uma mudança de padrão de vida substancial em muitas das comunidades carentes de todo o mundo. Efetivamente, o Bitcoin tirará milhões de humanos da miséria e, ao mesmo tempo, viabilizará que outros milhões possam guardar seu dinheiro sem que tiranos roube suas economias. Nenhum ativo pode ser mais socialmente responsável do que o ativo que permite que pessoas preservem o fruto do seu trabalho de ditadores que roubam o seu tempo através da impressão de dinheiro.

1- Energia e a Civilização

“Energia é a única moeda universal: uma das suas muitas formas precisa ser transformada em outra para que as estrelas brilhem, os planetas rodem, as plantas cresçam e as civilizações evoluam”
Vaclac Smil

Existem muitas maneiras de se contar a mesma história, ainda mais quando essa história é A História de todos os Homo sapiens, ou seja, o processo evolutivo na nossa espécie e sociedade.

Uma maneira que sempre me atraiu muito é considerar os avanços tecnológicos de nossa espécie, visto que Homo sapiens significa literalmente “homem sábio” em latim.

Geralmente, quando nós falamos em tecnologia, estamos pensando em coisas modernas como TVs de led, Iphones, carros ou talvez algum novo apetrecho de VR (realidade virtual). Mas, na verdade, tecnologia é um conceito muito mais amplo do que isso. Pela definição formal, tecnologia é uma “teoria e/ou estudo sistemático sobre técnicas, processos, métodos, meios e instrumentos de um ou mais ofícios ou domínios da atividade humana”. Pode-se dizer, por exemplo, que o fogo é uma tecnologia que foi dominada pelos nossos antepassados há centenas de milhares de anos nas planícies africanas. Isso significa dizer que manufaturar pedras lascadas ou fazer fogueiras podem ser considerados exemplos de avanços tecnológicos incríveis.

O conceito de que o desenvolvimento tecnológico que mede o grau de progresso de uma civilização não é novo. Um exemplo disso é a Escala de Kardashev, de 1964, que se divide e classifica as civilizações em três tipos, baseados na quantidade de energia coletada, utilizada e processada (os três tipos de civilizações nessa escala são as que utilizam a energia disponível em I) um planeta, II) uma estrela/sistema solar, III) galáxia).

Nessa seção do artigo, nós vamos analisar as tecnologias associadas a geração e utilização de energia que trouxeram a nossa espécie até aqui.

1.1 Fogo

“Quando os homens domesticaram o fogo, eles ganharam acesso á uma força obediente e ilimitade”
Yuval Hariri, Sapiens.

“A idade da pedra não acabou por falta de pedras”
ditado popular entre os geólogos em discussões sobre o cálculo estratégico de produzir petróleo agora ou deixar ele para as próximas gerações.

O fogo talvez seja a primeira tecnologia utilizada pelos nossos ancestrais. Primeiramente nós dominamos o fogo que já existia na natureza e depois nós inventamos o fogo (aprendemos a reproduzir ele nós mesmos). Estima-se que a utilização do fogo natural começou a ocorrer há cerca de 1.5 milhões de anos, por um ancestral nosso conhecido como Homo erectus e que as primeiras fogueiras utilizadas para cozinhar comida foram acesas há menos de 900 mil anos. Mais do que um evento, a descoberta do uso do fogo pode ser vista como um conjunto de processos que aconteceram em um longo prazo.

O controle do fogo pelos primeiros humanos foi um ponto de inflexão na evolução tecnológica dos seres humanos. O fogo fornecia uma fonte de calor e iluminação, proteção contra predadores (especialmente à noite), uma maneira de criar ferramentas de caça mais avançadas e um método para cozinhar alimentos. Graças a tecnologia “fogo” o homem começou a cozinhar seus alimentos, o que melhorou significativamente a qualidade nutricional das nossas refeições.

Esse aumento de qualidade nutricional é associado por muitos antropólogos como o “combustível” para o crescimento do cérebro nestes primeiros humanos. Esses avanços culturais permitiram a dispersão geográfica humana, inovações culturais e mudanças na dieta e no comportamento. Além disso, a criação de fogo permitiu que a atividade humana continuasse nas horas escuras e frias da noite.

O fogo, ou mais especificamente o ato de cozinhar os alimentos, também mata parasitas e bactérias e permitiu que os humanos tivessem uma fonte de alimento mais segura e esterilizada, uma vez que ainda não existiam geladeira na Idade das Pedras.

O domínio do fogo foi a primeira vez que os humanos dominaram uma tecnologia energética. Este processo de queima em uma fogueira (ou posteriormente em fornos), foi essencial para a nossa evolução como espécie. A fogueira e os fornos também foram utilizada na fundição de metais, marcando a história da humanidade, que avançou da época das pedras lascadas (Idade da Pedra), para a Idade dos Metais (Idade do Cobre, depois do Bronze e do Ferro). A fundição dos metais é tão importante para a nossa história que a divisão de períodos adotada para a pré-história é I) Idade da Pedra e II) Idade dos Metais. É fácil imaginar a vantagem competitiva que as tribos que possuíam o controle do fogo e o acesso à fundição de metais possuía sob as demais: imagine uma luta entre um conjunto de espada e escudo de madeira contra um conjunto de espada e escudo de metal. Um exemplo disso é a origem da famosa civilização grega de Esparta é um exemplo de um povo vencedor (os dórios) que possuía conhecimento de metalurgia mais avançado (já estavam na Idade do Ferro) e que expulsou, subjugou ou aniquilou todos seus rivais que não possuíam este conhecimento, em um processo histórico conhecido como “Invasão Dórica”.

A metalurgia que moldou civilizações é feita, basicamente, a partir da queima de lenha e utilização da energia liberada na forma de calor e concentrada com os fornos. O mesmo principio básico da combustão, ou seja, que a queima de um material orgânico (rico em C) libera energia, ainda é utilizado atualmente em motores de combustão externa (que utiliza o vapor d’água para gerar a energia necessária para o motor funcionar), e de combustão interna (motores de carro, por exemplo), lareiras e fogões a lenha ao redor de todo o mundo. De fato, foi o surgimento de um material “queimável” superior à lenha que gerou o próximo avanço tecnológico na utilização da combustão.

Sintetizando: O domínio do fogo pelos nossos antepassados foi o que transformou a nossa linhagem de “alguns macacos andando pela savana africana” para “o macaco que acordou” ao nos permitir cozinhar os alimentos. A utilização do fogo pelos humanos do passado é considerada a 1ª Revolução Energética, ou seja, o 1o salto quantitativo de energia que o ser humano tem acesso ao longo da nossa história como espécie.

1.2. Combustíveis Fósseis

“Se você voltar até 1800 todo mundo era pobre. Todo mundo mesmo!”
Bill Gates

“A Revolução Industrial tem duas fases: uma material e a outra social; uma diz respeito ao fazer das coisas (a produção), a outra diz respeito ao fazer do homem.”
Charles A. Beard

A liberação de energia via combustão foi constantemente aprimorada desde as primeiras fogueiras na Idade das Pedras. A utilização das fogueiras associada a uma nova tecnologia chamada “forno” permitiu que o ser humano desenvolvesse a metalurgia, ou seja, permitiu que nós obtivéssemos o controle sobre os metais. Como não é tema desse texto, não vamos nos aprofundar na Idade do Cobre, do Bronze, ou do Ferro, mas basicamente podemos dizer que a utilização da energia “fogo”, quando bem direcionada, permitiu que o ser humano “inventasse” os metais ao concentrar artificialmente os átomos de elementos dispersos na natureza.

Outro salto tecnológico de “0 a 1” na obtenção de energia foi a evolução da queima de matéria orgânica recente para a queima de matéria orgânica morta há muito tempo, os chamados combustíveis fósseis. Os combustíveis fósseis são formados a partir de processos naturais de decomposição e maturação de matéria orgânica soterrada há centenas de milhões de anos. Como nesses processos a matéria (o carbono, no caso) é concentrada (física e quimicamente), os combustíveis fósseis possuem muito mais energia armazenada por massa do que a lenha. São combustíveis fósseis o carvão mineral, gás natural e o petróleo.

A maior parte dos combustíveis fósseis são hidrocarbonetos compostos de carbono, hidrogênio e oxigênio. Combustíveis vegetais, produtos de madeira e seus derivados (bagaço, serragem, cascas, etc.) são carboidratos que contém 2 átomos de hidrogênio para cada átomo de oxigênio. Carboidratos nada mais são que moléculas de carbono hidratadas, ou seja:
carbo — idratos → carbono hidratado → C + H₂O. Seus produtos de combustão são similares aqueles dos hidrocarbonetos (CO₂ e H₂O), mas a energia liberada durante a combustão é significativamente menor.

1.2.1. Carvão Mineral e a Revolução Industrial

O carvão mineral começou a ser utilizado como combustível localmente na Inglaterra antes de Cristo, porém começou a ser minerado em escala e se espalhou pela Europa somente por volta do século XVIII (1700s em diante). A Revolução Industrial foi um processo que contribuiu para uma grande ampliação da demanda, que só teve redução a partir do século XX (1900s), com a difusão da utilização do outras fontes de energia mais eficientes como combustível.

A Revolução Industrial poderia ser descrita como o momento em que o homem descobriu que os combustíveis fósseis podiam ser usados para alimentar máquinas de maneira eficiente.

Os dois primeiros parágrafos da Wikipédia sobre a Revolução Industrial dão uma boa contextualização sobre a amplitude desse fenômeno:

“Revolução Industrial foi a transição para novos processos de manufatura no período entre 1760 a algum momento entre 1820 e 1840. Esta transformação incluiu a transição de métodos de produção artesanais para a produção por máquinas, a fabricação de novos produtos químicos, novos processos de produção de ferro, maior eficiência da energia da água, o uso crescente da energia a vapor e o desenvolvimento das máquinas-ferramentas, além da substituição da madeira e de outros biocombustíveis pelo carvão. A revolução teve início na Inglaterra e em poucas décadas se espalhou para a Europa Ocidental e os Estados Unidos.

A Revolução Industrial é um divisor de águas na história e quase todos os aspectos da vida cotidiana da época foram influenciados de alguma forma por esse processo. A população começou a experimentar um crescimento sustentado sem precedentes históricos, com uma boa renda média. Nas palavras de Robert E. Lucas Jr., ganhador do Prêmio Nobel: “Pela primeira vez na história o padrão de vida das pessoas comuns começou a se submeter a um crescimento sustentado … Nada remotamente parecido com este comportamento econômico é mencionado por economistas clássicos, até mesmo como uma possibilidade teórica”.

Basicamente, a Revolução Industrial construiu o mundo como nós conhecemos hoje. Para não me alongar muito, vamos só focar que a matéria-prima que deu sustentação a toda essa revolução foi uma nova fonte de energia chamada carvão. Graças a essa nova fonte de energia o ser humano conseguiu dar um salto de 0 a 1 e mudar de patamar civilizatório.

As máquinas a vapor já estavam sendo utilizadas com lenha, o que a imagem abaixo mostra, mas a Revolução Industrial teve seu ápice e deixou de ser uma revolução para se tornar apenas o cotidiano a partir da utilização do carvão. Foi com o carvão, e o salto energético que ele representa em relação à lenha, que ela se fixou de fato.

Geralmente são mudanças tecnológicas que dão suporte para que ocorram mudanças sociais (por exemplo: os anticoncepcionais e os eletrodomésticos geraram as condições necessárias para ocorrer a liberdade sexual feminina) e foram os motores a vapor que queimavam carvão que deram suporte a revolução industrial. Ou seja, foi quando os humanos destravaram essa uma nova fonte de energia e encontraram uma nova forma de se aproveitar dela (o motor) que nós conseguimos realizar os processos que essa energia liberada permitiram na sua plenitude (como trens, navios e máquinas em fábricas).

Na Revolução Industrial surgem as fábricas e a fumaça.

1.2.2. Petróleo e o mundo moderno

Assim como o motor a vapor e o carvão deram a cara do final século XIX e início do século XX (1883–1949), motor de combustão interna, o petróleo e seus derivados deram a cara da segunda metade do século XX (1950 em diante). Da liberdade proporcionada pelos automóveis, as guerras no Oriente Médio ou o esquema de impressão de dinheiro dos Estados Unidos conhecido como petrodólar (mais sobre o petrodólar aqui), o século passado e o começo deste século atual giraram e ainda giram em torno do petróleo. O gráfico abaixo ilustra bem o poder que tanto o carvão, quanto principalmente o petróleo e seus derivados (como gasolina, diesel, plásticos, querosene e o gás liquefeito de petróleo) tiveram e continuam tendo no mundo moderno.

Primeiro, vamos pegar a definição do Wikipedia para dar contexto : Petróleo (do latim petroleum, petrus = pedra e oleum = óleo, do grego πετρέλαιον [petrélaion, “óleo da pedra”, do grego antigo πέτρα [petra], pedra + έλαιον [elaion] azeite, qualquer substância oleosa, no sentido de óleo bruto[1]), é uma mistura de substâncias oleosas, inflamável, geralmente menos densa que a água, com cheiro característico e coloração que pode variar desde o incolor ou castanho claro até o preto, passando por verde e marrom (castanho)”. Basicamente, se trata de uma combinação complexa de hidrocarbonetos e alguns outros elementos e moléculas.

O petróleo é relativamente abundante na natureza e atualmente ele é uma das principais fontes de energia da humanidade e também serve de base para a fabricação de diversos produtos (desde desinfetantes e polímeros plásticos até remédios). Além da gasolina, o principal combustível dos automóveis, também são derivados do petróleo: a parafina, o gás liquefeito de petróleo, o asfalto, querosene, polímeros, solventes, óleos combustíveis, óleo diesel, óleos lubrificantes e o combustível utilizado na aviação.

A indústria moderna do petróleo surgiu nos meados do século XVIII, quando o processo de extração e refino do petróleo obtido do carvão e do xisto betuminoso foi aprimorado. O petróleo se tornou o commodity mais importante do mundo ao longo do século passado e mudou a cara do mundo neste período, o que é fácil de se imaginar vendo a quantidade de produtos importantes que são derivados dele. A gasolina, combustível dos automóveis, é um derivado do petróleo, assim como o querosene, que abastece os aviões, e o óleo combustível, combustível utilizado pelos navios. Ou seja, basicamente o petróleo vem sendo a base energética para os nossos deslocamentos no último século.

Uma seção mais abaixo tratará especificamente da gasolina e de como ela pode ser interpretada uma grande revolução nas baterias da humanidade. Aqui nesta seção, o intuito é mostrar que a humanidade avança e evolui conforme ela destrava novas fontes de energia, o que fica claríssimo no gráfico anterior que relaciona as fontes de energia que a humanidade teve acesso em relação à população humana total.

Sintetizando: Os combustíveis fósseis moldaram o mundo, tendo sido a base energética para todo o progresso humano a partir da Revolução Industrial e a ampla utilização do carvão. O petróleo aprofundou a utilização dos combustíveis fósseis e foi a base energética para os nossos deslocamentos (gasolina nos carros, querosene nos aviões e óleo combustível nos navios, como será tratado mais para frente na seção sobre a Bateria Gasolina). O início da utilização dos combustíveis fósseis é considerada a 2ª Revolução Energética, segundo momento em que a humanidade dá um salto quantitativo significativo no acesso a mais energia.

1.3. Eletricidade

A gente se esquece de como o mundo era escuro antes da eletricidade. Uma vela, uma boa vela, fornece apenas um centésimo da iluminação de uma única lâmpada de 100 watts”
Bill Bryson

“ Eletricidade nada mais é que um raio bem organizado”
George Carlin

Eletricidade é o um termo que abrange uma variedade de fenômenos diferentes relacionados a presença e do fluxo de uma carga elétrica (como relâmpagos, eletricidade estática e correntes em fios elétricos). Aqui a gente tratará apenas da eletricidade resultante da capacidade do homem de utilizar essa “presença e fluxo de uma carga elétrica” em fios, algo que, em conjunto com os combustíveis fósseis, deu a cara do mundo como nós o conhecemos hoje. A eletricidade é a tecnologia que permitiu que o ser humano desencadeasse a chamada Segunda Revolução Industrial (início em 1850 -1870s e término em 1939–1945), que é o processo de aprimoramento das tecnologias da Primeira Revolução Industrial e envolve uma série de desenvolvimentos que ocorreram nas indústrias química, de petróleo, elétrica e do aço.

Sendo rigoroso, o termo correto seria “energia elétrica”, que é a energia fornecida comercialmente pelas empresas distribuidoras de energia elétrica. De uma forma menos rigorosa, é a famosa “luz”. Quando a luz acaba, na verdade, é o fornecimento de energia elétrica que foi interrompido. Mas, no fundo, tanto faz. Esse texto não é sobre definições físicas formais, e sim sobre como novas formas de utilização de energia permitem que a sociedade avance.

A eletricidade é a forma mais fungível de energia. Por esse motivo, a tecnologia continua a selecionar a eletricidade como sua principal fonte de energia. À medida que esta tendência continua, nossa economia e sociedade vem se tornando cada vez mais dependente desta forma de energia.

Os humanos das nações mais desenvolvidas consideram a eletricidade onipresente como algo natural, quase um direito básico. Em compensação, a energia intermitente é um dos maiores desafios que os países subdesenvolvidos precisam superar para obter crescimento econômico.

Antes de me aprofundar nas mudanças geradas pela eletricidade, só um pequeno adendo: assim como o Bitcoin, ela também foi considerada perigosa e foi alvo de diversos FUDs, provavelmente gerados pelas indústrias das velas e das lamparinas de querosene, como pode ser observado na imagem abaixo do início do século passado.

Imagem do início do século passado sobre os perigos da eletricidade

A eletricidade moldou tanto a nossa vida que a maneira mais simples de explicar a sua importância é contar como era a vida antes da sua invenção. E eu não to falando de coisas avançadas como carregar o celular ou ligar o ar condicionado, e sim coisas simples como conseguir conservar os alimentos sem que eles apodreçam ou liberar a mão de obra humana de serviços domésticos necessários como lavar as roupas.

1.3.1. Eletricidade e a conservação de alimentos

A geladeira é uma das prioridades de qualquer pessoa que está mudando de casa e comprando novos eletrodomésticos. Por quê? Porque ela permite que a pessoa conserve seus alimentos sem que eles apodrecem.

No início da humanidade os alimentos simplesmente não eram preservados e essa consideração nem fazia sentido, uma vez que a maioria dos grupos de caçadores-coletores era nômade e não possuía necessidade de armazenar comida (seria só um peso a ser carregado). Com o surgimento da agricultura a questão da preservação dos alimentos começa a se tornar mais relevante.

Nesse período surgem duas novas “tecnologias” de preservação dos alimentos: I) os gatos se autodomesticam e são aceitos pelos humanos porque eles caçam os ratos que se alimentam dos grãos colhidos e armazenados (que eram a principal fonte de alimento das sociedades após a Revolução Agrícula); e II) a carne, que antes era preservada somente com a fumaça (processo conhecido como defumação), passa a ser preservada com o sal.

Os primeiros registros da utilização do sal datam do Egito Antigo, onde além dos alimentos, as múmias eram preservadas também com a utilização do sal. A expressão bíblica “o sal da Terra” associa o sal a uma pessoa boa, confiável e honesta, mostrando a importância do sal nesta época. Hoje em dia dizemos que alguém tem um “coração de ouro” querendo dizer que o coração desta pessoa é puro e bom, o que é análogo à utilização do sal na expressão “sal da Terra”. Na época que o ser humano ainda não possui algum tipo de dinheiro mais eficiente, as grandes transações eram feitas com gado ou ovelhas e as pequenas transações eram feitas com sal, uma vez que este é perfeitamente divisível. A palavra sal também é, supostamente, a origem da palavra “salário” justamente por este motivo e reza a lenda que os soldados romanos recebiam os seus pagamentos em sal.

O sal permitiu que a humanidade preservasse melhor a carne a partir da antiguidade e seguiu sendo a melhor opção de preservação até a invenção das primeiras geladeiras, conhecidas como “caixas de gelo”.

Antes da utilização da eletricidade, já existiram geladeiras rudimentares em países com neve ou gelo. Para que essas geladeiras funcionassem, pessoas extraíam gelo de geleiras ou lagos congelados e os levavam até o mercado consumidor. Um processo que não é nada prático, uma vez que o gelo precisa ser bem isolado para não derreter durante o transporte e armazenamento. Além disso, as caixas de gelo precisavam ser reabastecida frequentemente, pois o gelo troca calor com os objetos colocados dentro dessas caixas e as próprias caixas trocam calor com o ambiente. Sem contar que essas caixas de gelo poderiam até quase funcionar em países frios, mas… e todos os países sem neve ou gelo?

A eletricidade resolveu essa questão. Graças a essa nova tecnologia de manuseamento de energia, o ser humano se tornou capaz de fazer gelo, o que pode parecer simples em um primeiro momento, mas é algo grandioso. Foi a partir deste momento que a humanidade começou a preservar os alimentos de uma maneira realmente eficiente.

1.3.2. Eletricidade e a liberação de mão de obra de serviços domésticos

A eletricidade, e os eletrodomésticos que ela viabilizou, geraram uma profunda mudança na estruturação do lar e da mão de obra profissional.
De acordo com a professora Emanuela Cardia, economista da Universidade de Montreal essas inovações mudaram a sociedade como um todo e mais especificamente a vida das mulheres.

Na sua pesquisa ela observou que em 1900 apenas 5% das mulheres casadas participavam do mercado de trabalho, número de saltou para 51% em 1980 e que deve estar significativamente mais alto atualmente.

Em uma linha cronológica, nós podemos destacar os seguintes eletrodomésticos que ajudaram a revolucionar os cuidados do lar: o aspirador de pó (1913), a máquina de lavar (1916), a geladeira (1918), o congelador (1947) e o microondas (1973). Essas inovações, em conjunto com a água encanada (que é uma tecnologia que foi universalizada no final do século XIX apenas) significaram, em termos numéricos, uma grande redução de horas dedicadas nos serviços domésticos. A professora Emanuela calcula que em 1900 uma mulher gastava aproximadamente 58 horas por semana em tarefas domésticas e que em 1975 esse número já havia sido reduzido para 18 horas. [Um adendo: é fato histórico que os serviços domésticos eram executados predominantemente por mulheres no passado, e, por mais que o autor acredite na justiça da luta pela igualdade e pelas liberdades individuais de todos (o que obviamente inclui as mulheres).]

Trabalhos domésticos no passado e eletrodomésticos de atualmente

Sintetizando: A eletricidade foi uma das principais forças que mudou a cara do mundo nos últimos 150 anos. Graças a ela nós conseguimos preservar os alimentos de uma maneira eficiente e conseguimos lavar as roupas em poucas horas. As mudanças que a eletricidade trouxe são tão grandes que a maneira mais simples de explicar é pedir para o leitor se lembrar como foi a última vez que ele ficou por mais de 1 dia sem eletricidade. Desconfortável né?

1.4. Energias “verdes” ou renováveis

“A liberação da energia atômica mudou tudo, menos nossa maneira de pensar.”
Albert Einstein

Primeiro, vamos definir o que são energias renováveis. Basicamente, energia renovável é aquela energia que teve origem em recursos naturais que são rapidamente reabastecidos pela natureza, como o sol, a chuva, o vento, as marés ou mesmo a energia do calor dos vulcões.

A humanidade explorou continuamente novas formas de geração de energia elétrica ao longo dos últimos séculos. Foram inventadas usinas termoelétricas (a base da queima de combustíveis fósseis), hidroelétricas, nucleares, eólicas, solares e geotermais, até mesmo usinas que geram energia a partir da variação das marés, conhecidas como usinas maremotriz. E dentre todas essas opções, as termoelétricas ainda são as principais fontes de energia do mundo (o que pode ser surpreendente para algum brasileiro desavisado, visto que estamos acostumados com a energia hidráulica e o etanol como combustível de automóvel). Os dois gráficos abaixo mostram a matriz energética brasileira e global, respectivamente.

matrizes energéticas do Brasil e global respectivamente

Observando estes gráficos é possível afirmar que as fontes renováveis ainda não concretizaram seu potencial na totalidade, ou em linguagem mais coloquial, não “pegaram”. Os próximos parágrafos serão compostos de mini-explicações reducionistas sobre como essas fontes renováveis de energia funcionam e abordarão também motivos que explicam porque elas não “pegaram” como os combustíveis fósseis.

1.4.1. Energia Nuclear

A energia nuclear (ou atômica) é o resultado prático (assim como as bombas atômicas) da famosa equação E = mc² de Einstein. A energia nuclear é liberada pelo decaimento radioativo de alguns isótopos de certos elementos, que apresentam a capacidade de se transformar em outros isótopos ou outros elementos e liberam energia neste processo. Teoricamente, esta é a melhor fonte energética de todas e poderia levar a humanidade até a singularidade energética, momento em que a energia seria aproximadamente grátis. Isso porque a quantidade de energia gerada por unidade de massa de combustível (neste caso o urânio) é ordens de grandeza superior à quantidade de energia gerada por unidade de massa dos combustíveis fósseis.
Na prática, as usinas nucleares não “pegaram” por alguns motivos:

  • O medo irracional que a humanidade sente do “inimigo invisível” chamado radiação, que foi criado com as bombas atômicas lançadas no Japão e foi exacerbado com os acidentes de Chernobyl e Fukushima. Graças a esse medo, as pessoas (e também os ambientalistas sem estudo técnico) fazem cálculos errados e não percebem que, na verdade, essa fonte energética seria a melhor alternativa para a redução de emissões de CO₂. O medo do resíduo nuclear, conhecido como “lixo atômico” não considera a diferença de escalas entre a quantidade de resíduos gerados pela energia nuclear (extremamente diminuta, visto a alta capacidade energética da radiação) e os resíduos gasosos gerados pelas termoelétricas.
  • O alto custo inicial na implementação das usinas, que é significativamente superior a outras fontes de energia, o que torna a instalação delas um investimento de risco mais elevado.
  • Geopolítica. As nações dominantes (EUA, Israel e Europa) não querem que outros países desenvolvam este tipo de fonte energética, dado que esta tecnologia permite o desenvolvimento das bombas atômicas. Um exemplo claro disso são os assassinatos que os cientistas iranianos vêm sendo alvos.

1.4.2. Hidroelétrica e Maremotriz

São as energias produzidas pela água. A usina hidroelétrica é a energia produzida em barragens construídas em rios. As usinas hidroelétricas utilizam a água armazenada em seus reservatórios para girar turbinas que produzem energia elétrica. Basicamente, essas usinas fazem a energia da água no reservatório (armazenada como energia potencial gravitacional) virar energia cinética e posteriormente a transformam em energia elétrica que pode ser distribuída para as redes elétricas. Da mesma forma, a energia maremotriz é gerada em usinas de maré, onde não existe energia gravitacional (altura de queda), e a energia cinética é obtida diretamente pela variação das marés.

Essas usinas de energia relacionadas a água possuem vantagens associadas as emissões estufas, especialmente as usinas maremotriz, visto que existem pesquisas novas mostrando que as emissões associadas a matéria orgânica alagada nos reservatórios das usinas hidroelétricas não são desprezíveis como é geralmente considerado.

A grande desvantagem destas fontes de energia é que é o ambiente que determina onde elas podem ser instaladas. Nós (brasileiros) estamos acostumados à presença constante de usinas hidroelétricas e não paramos para pensar que isto só ocorre porque somos um país com abundância de chuvas e rios, o que não é tão comum no mundo. Da mesma forma, a energia maremotriz depende de ambientes com grande variação de maré, o que acontece em alguns pontos litorâneos somente, não em todos os litorais do mundo.

Usina de Belo Monte, um exemplo de usina hidroelétrica na Bacia do Xingu, na Amazônia. Estudos recentes mostram que usinas hidroelétricas geram muito mais emissões de CO₂ do que era pensado anteriormente, devido a decomposição da matéria orgânica alagada pelo reservatório.

1.4.3. Eólica

É a energia obtida pelo vento. Ou seja, a partir da transformação da energia cinética gerada pelas correntes de ar atmosféricas em energia elétrica. A energia eólica vem sendo usada desde a antiguidade com barcos movidos a velas, e desde a época de Cristo nos moinhos de vento. E mais recentemente que ela começou a ser utilizada para a geração de eletricidade.

Teoricamente a energia eólica é abundante, mas na prática ela apresenta problemas como a intermitência dos ventos, que faz ela precisar ser utilizada em conjunto com outra usina de backup. Na última década, a energia eólica vem tendo uma rápida expansão no Brasil, principalmente no nordeste, mas essa expansão ainda não é suficiente para fazer ela figurar no gráfico da matriz energética brasileira.

Hélices espalhadas em uma região produtora de energia eólica.

1.4.4. Solar

O conceito de energia solar geralmente está associado à energia fotovoltaica, que é a geração de energia elétrica usando a luz do sol como fonte de energia. Pode-se dizer que energia solar e energia fotovoltaica são a mesma coisa. Do ponto de vista humano, a energia solar é inesgotável e apresenta maior potencial energético do que as outras fontes de energia.

Diferentemente do que diz o senso comum, os painéis funcionam também em dias nublados e chuvosos, visto que eles dependem da incidência dos raios violetas e não do calor. A produção tem sim um decréscimo, mas não deixa de existir. De noite, obviamente, não há captação de energia e a implementação da energia solar depende de baterias ou outras fontes de energia para garantir o uso noturno de energia.

A energia solar é utilizada em lugares isolados, onde a implementação de fiação/rede elétrica e outras usinas é mais difícil e custoso do que o transporte de painéis solares.

Painéis solares instalados no parque Animal Kingdom da Disney.

1.4.5. Geotermal

É a energia obtida diretamente do interior da Terra. O calor que existe debaixo da Terra não é uniforme, e em algumas regiões ele está muito mais próximo da superfície que em outras. Este calor tem origem relacionada ao magma debaixo da terra e é utilizado para se obter o vapor d’água, que gira as turbinas das usinas geotermais (ou geotérmicas), gerando eletricidade. Em certas regiões, é possível encontrar calor útil para a obtenção de energia na superfície (como em gêiseres e nascentes hidrotermais) e em outras fazendo furos superficiais. Mas na maior parte do mundo é necessário fazer furos de quilómetros de profundidade para encontrar calor significativo.

Em terreno propício, a obtenção da energia geotermal depende basicamente da perfuração de dois poços vizinhos, de modo que eles alcancem uma camada de rocha quente. Em um dos poços é injetada água normal, que é aquecida pela rocha quente do subsolo, entrando em ebulição e sendo expelida pelo outro poço na forma de vapor. O Explica Bitcoin possui um texto completo sobre energia geotermal e vulcões, dado que estas fontes energéticas são 100% dependentes de localidades em que o calor do interior da Terra está chegando na superfície terrestre, ou seja, em localidades com vulcões principalmente. Se você quiser se aprofundar no assunto, clique aqui.

A principal desvantagem da energia geotérmica é justamente que ela depende do ambiente para ser obtida, e ambientes com calor próximos (ambientes vulcânicos e hidrotermais) da superfície são raros e condicionados pela geologia da região.

Também existe uma fusão muito interessante entre a energia solar e a energia geotermal, conhecida como energia solar concentrada. Essa forma de geração de energia será aprofundada no último capítulo da série de textos sobre a Bateria Bitcoin.

Usina de energia geotermal na Islândia.

Sintetizando: Os diferentes tipos de fontes de energia “verde” possuem vantagens e desvantagens específicas e se adequam a situações especificas de determinados países. Exemplo disso é o Brasil e a utilização da energia hidroelétrica e a Islândia e a utilização da energia hidroelétrica combinada com a energia geotermal.

1.5. Energia capturada

“A energia fará tudo o que puder ser feito no mundo”
Johann Wolfgang von Goethe (1749–1832)

Uma das grandes questões no estudo da História é o que realmente causa as mudanças históricas. Essas mudanças têm causas essencialmente materialistas (ou seja, as mudanças ambientais precedem as adaptações culturais) ou idealistas (ou seja, são ideias, tanto tecnológicas como normativas, que movem a História)? O texto não espera responder essa questão, visto que anos de debates acadêmicos não conseguiram resolver ela.

Mas a interpretação e visão de mundo do autor se alinha com a linha materialista que acredita que é o ambiente que gera as condições para que mudanças sociais ocorram. Nas seções 1.5.1 e 1.5.2., o autor tentará mostrar que a variação da energia capturada pela humanidade é fator determinante em mudanças históricas. Inclusive em eventos históricos como a Revolução Francesa ou a Fome Irlandesa, o aumento exponencial da quantidade de humanos no mundo, assim como o colapso das civilizações da Idade do Cobre e até mesmo obras de ficção como Frankenstein.

O primeiro passo para justificar essa visão é explicar o que é “energia capturada” pela humanidade. Na definição deste artigo, energia capturada é toda e qualquer forma de energia canalizada pelo ser humano para o seu próprio uso. Por exemplo: as colheitas refletem o acesso à energia solar armazenada pelas plantas, ou seja, as plantas produzidas via seleção artificial pelos homens são “usinas” que transformam a energia solar em energia orgânica. Da mesma forma, os animais domesticados para alimentação representam uma “usina de concentração” da energia solar absorvida pelas plantas, uma vez que na comparação grama por grama a carne ou o leite dos animais fornecem muito mais energia do que uma alface! A domesticação dos cavalos representam mais uma forma de energia capturada, que substitui a energia que o ser humano precisava aplicar no ambiente e libera esses humanos para novas atividades. Ou seja, “energia capturada” é toda energia que o ser humano consegue canalizar e utilizar para alguma coisa. Então moinhos de ventos e aquedutos também podem ser considerados energia capturada, assim como a energia térmica (o calor) emitida pelas primeiras fogueiras e usada para cozinhar a carne e raízes. De fato, foram os aquedutos romanos que, ao canalizar a energia hidráulica, permitiram que uma cidade de 25.000 pessoas virasse uma cidade com 500 mil pessoas.

A energia capturada está relacionada às tecnologias que o ser humano passa a utilizar e com o seu bem-estar. Mas qual é consequência de qual? Qual é a relação de causa e efeito? Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? Ou seja, é a disponibilidade de mais energia que impulsiona os avanços sociais ou são os avanços sociais que geram avanços tecnológicos, que por sua vez permitem que o ser humano tenha acesso a mais energia? Para jogar luz nessa questão, vamos explorar o tema “como os vulcões afetam a sociedade” na seção 1.5.1 e o tema “o que ocorre quando a humanidade captura mais energia” na seção 1.5.2.

1.5.1. Vulcões e mudanças sociais

Poucos sabem, mas os vulcões possuem uma grande influência no clima da Terra. Isso ocorre um pouco pela lava derramada e pelo fluxo piroclástico da erupção, mas principalmente pelas mudanças na atmosfera que essas erupções geram. Nesta seção a gente vai explorar brevemente alguns vulcões e seus efeitos na história humana.

Monte Pinatubo — vulcão das Filipinas que entrou em erupção em 1991. Os efeitos dessa erupção foram sentidos, de maneira leve, em todo o mundo. Isso porque, quando os vulcões entram em erupção eles expelem grandes quantidades de gases aerossóis na atmosfera. Estes aerossóis formaram uma neblina rica em gotículas ácido sulfúrico, que possui um efeito oposto ao estufa e esfria a atmosfera. Nos meses posteriores a erupção do Pinatubo as temperaturas globais caíram aproximadamente 0,5 °C (0,9 °F).

O Monte Pinatubo é um vulcão relativamente pequeno e, apesar desta ser uma das maiores erupção do século passado, ela ainda é uma erupção menor que as que realmente causam impactos globais na civilização.

Foto de um caminhão tentando fugir do fluxo piroclástico da erupção do Monte Pinatubo

Monte Laki — esse é um vulcão que não teve uma grande explosão (tipo de erupção que a maioria das pessoas conhece). Lá ocorreu outra modalidade de erupção, conhecida como erupção fissural, onde fissuras se abrem no solo e expelem lava. O sistema vulcânico entrou em erupção violentamente ao longo de um período de oito meses entre junho de 1783 e fevereiro de 1784.

Consequências na Islândia — estima-se que 42 bilhões de toneladas de lava (que destruíram 20 aldeias completamente) e nuvens de ácido fluorídrico foram liberadas, contaminando o solo e levando a morte de mais da metade da população de animais da ilha. Como consequência, ocorreu uma grande escassez de alimentos que matou cerca de 25% da população da Islândia.

Consequências na Europa — o vulcão liberou cerca de 120 milhões de toneladas de CO₂, equivalente a 6x a erupção do Monte Pinatubo. Essa nuvem de CO₂ causou condições climáticas incomuns. A nuvem de gases tóxicos emitidos pelo Laki era densa e atingiu a Europa devido a padrões de vento incomuns na Islândia. Na Inglaterra, os registros mostram que até 23mil britânicos morreram intoxicados por esse CO₂ ao longo das semanas seguintes, que quando respirado reage com a umidade nos pulmões e produz ácido sulfuroso, danificando eles severamente. O verão foi particularmente quente, com intensas tempestades de granizo que matavam o gado. O inverno entre 1783–1784 foi particularmente severo e estima-se que o frio tenha causado mais 8 mil mortes somente na Inglaterra. O impacto do Laki na meteorologia se estendeu por vários anos e gerou clima extremo na Europa. Na França, essa sequência de eventos climáticos extremos danificou uma colheita excedente em 1785, causando pobreza para os trabalhadores rurais, bem como secas e estações (invernos e verões) mais rigorosos. Essa sequência de eventos contribuíram significativamente para o aumento da pobreza e da fome na França. Além do Laki, outro vulcão chamado Grímsvötn (também islandês) entrou em erupção de 1783–1785, e a somatória dos gases emitidos por ambos afetou gravemente o clima mundial, gerando escassez de alimentos e fome, que geraram as condições necessárias para que a população francesa se revoltasse em 1789, na Revolução Francesa.

É obvio que o vulcão Laki sozinho não causou a Revolução Francesa. Mas também é interessante notar que o absolutismo francês já existia há muito tempo com estabilidade e é a erosão da qualidade de vida relacionada a falta de energia captada pelas plantas que gera as condições de insatisfação popular necessárias para que uma revolução ocorresse.

Consequências em outras regiões do mundo — o Laki afetou o clima do mundo. As monções indianas e africanas foram significativamente mais leves, gerando secas pelo mundo. No Egito, por exemplo, o fluxo mais baixo do rio Nilo trouxe a fome para a região, levando cerca de um sexto da população. Na América do Norte o inverno foi o mais longo e frio já registrado, havendo relatos de que até o rio Mississippi congelou e que blocos de gelo eram avistados no Golfo do México

Linha de fissura vulcânica que entrou em erupção em 1784

Outros vulcões — como o objetivo deste texto não é focar nos eventos extremos causados por erupções vulcânicas, vamos só citar mais alguns exemplos sem nos aprofundarmos tanto.

A erupção de 1816 do Monte Tambora (na Indonésia) gerou repercussões globais, como a Fome Irlandesa, onde morreram cerca de 100 mil pessoas e a invenção da bicicleta como meio de transporte, uma vez que os cavalos eram abatidos para servirem de alimento. O ano de 1816 é conhecido como o ano sem verão, pois a poeira lançada pela erupção do Tambora bloqueou os raios solares de entrarem na atmosfera. Neste verão, Lorde Byron (um dos principais nomes do romantismo britânico) convidou três amigos (John Polidori, Mary Shelley e Percy Bysshe Shelley) para passar o verão juntos em sua propriedade à beira do lago Léman. Como o verão de fato não ocorreu, eles se viram lendo histórias de terror um para os outros como maneira de matar o tédio, até que Lord Byron propôs que eles escrevessem suas próprias histórias de terror. Foi nesse verão que John Polidori escreveu “O Vampiro”, que influenciou a criação de “Drácula” e Mary Shelley escreveu o Frankenstein.

Resumo dos eventos que levaram até a invenção das bicicletas
Mary Shelley, produção disponível na Netflix que mostra esse verão na casa de lago do Lorde Biron.
Queda de temperatura média que ocorre na Europa no verão de 1816 em decorrência da erupção do Tambora

Outro exemplo de como grandes erupções vulcânicas (e as suas consequências relacionada a quantidade de energia capturada pela humanidade) é o Monte Hekla, que tem a sua maior erupção cronologicamente associada ao colapso das civilizações mediterrâneas no final da Idade do Bronze e possivelmente exerceu uma grande influência a partir das mudanças climáticas associadas.

Vale citar também a erupção do Supervulcão de Toba, na Indonésia, que há cerca de 70–80mil anos atrás reduziu a população humana mundial a menos de 10mil indivíduos. É estimado que essa erupção causou uma redução da temperatura globlal de até 15°C.

Quando os vulcões são de grande porte, os chamados supervulcões, por vezes o efeito é uma extinção em massa. Duas das principais extinções em massa da história da vida na Terra forma causadas diretamente por estes vulcões: a extinção dos dinossauros (extinção do Cretáceo-Paleogeno, onde cerca de 75% das espécies foram extintas) e a maior extinção de todas, conhecida como A Grande Morte (The Great Dying, extinção do Permiano-Triássico, onde cerca de 95% das espécies marinhas e 70% das espécies terrestres foram extintas).

A extinção dos dinossauros foi causada por dois eventos extremos acontecendo num espaço de menos de 1 milhões de anos, valor dentro do erro analítico dos métodos isotópicos de datação utilizado no estudo da idade destes eventos vulcânicos: um meteoro de pelo menos 10km de diâmentro cai na Terra, formando a Cratera de Chicxulub e parte significativa da Índia entra em erupção simultaneamente formando a Província Ignea de Decão (mais conhecidos como Deccan Trapps). A Grande Morte também foi causada por uma gigantesca província vulcânica conhecida como Trapps Siberianos, que entraram em erupção na região onde hoje é a Sibéria a cerca de 250–251 milhões de anos e emitiram quantidades absurdas de gases.

Reconstituição da erupção da Província Ignea de Decão
Extensão da erupção dos Trapps da Sibéria.

1.5.2. E o que ocorre quando o ser humano acessa mais energia?

A conclusão da seção anterior é que a variação na incidência da energia solar afeta grandemente a civilização. Ou seja, neste caso é a diminuição da energia capturada que gera os problemas relacionados, como fome e revoltas populares.

Mas isso só mostra um lado da moeda, o lado de que “se capturarmos menos energia as coisas pioram”. E o que acontece quando a humanidade ganha acesso a novas fontes de energia?

Para responder essa questão, vamos explorar 2 exemplos distintos: I) o uso do fogo e o acesso a mais energia desencadeando a Revolução Cognitiva e II) o acesso a novas fontes de energia relacionado à Revolução Industrial.

Fogo e Revolução Cognitiva — Como já foi comentado acima, o domínio do fogo representou um grande salto na evolução da nossa espécie. O domínio e utilização do fogo para cozinhar alimentos, o que efetivamente significa que parte do processo digestório pôde ser abreviado. Cozinhar o alimento é basicamente desnaturar as proteínas e fibras ingeridas nas carnes e vegetais.

A dieta humana média era de 5–10% enquanto que a dos chimpanzés é de 32% de fibras não-digeríveis. Nosso corpo não é projetado para lidar com essas fibras, pois a nossa espécie possui intestino grosso e o e estômago pequenos, adaptados para alimentos com alta densidade calórica. E foi justamente o acesso a essa nova fonte de energia que permitiu que o gênero Homo aumentasse o tamanho do seu cérebro e diminuísse o tamanho do intestino. Isso ocorreu porque o fogo tornou o alimento mais macio e fácil de comer, o que significa que mais calorias eram digeridas. Na prática, cozinhar é a mesma coisa que pré-digerir os alimentos. Ou seja, graças ao fogo os humanos conseguiram mastigar e ingerir a comida de modo muito mais rápido e eficiente, com menos esforço e maior rendimento calórico.

Esse maior rendimento calórico também significou que agora os Homos precisavam passar menos tempo buscando por comida. Esse tempo liberado é o começo do processo de seleção natural baseado na nossa criatividade, que gera todo o desenvolvimento tecnológico (desde pedras lascadas até a criação de redes sociais), uma vez que é nesse tempo livre que este desenvolvimento pôde ocorrer. Sem a liberdade da alimentação básica, nada mais teria acontecido.

O fogo é a tecnologia energética básica da nossa espécie, sem ela nosso cérebro não teria tido oportunidade de se desenvolver. Graças ao fogo, o gênero Homo se tornou Sapiens (sábio) e “acordou”, deixando de ser somente um animal, processo que está muito bem descrito no livro Sapiens do Yuval Harari. O livro foca em um momento em que as estruturas cerebrais já estão prontas para esse acordar e mostra como a linguagem teve papel essencial nesse desenvolvimento. O fogo é a tecnologia que ocorreu antes e que viabilizou o cérebro ter desenvolvido essas estruturas que permitiram que a linguagem ocorresse da maneira que ocorre na nossa espécie.

O domínio do fogo pode ser visto como a 1ª Revolução Energética que a nossa espécie viveu. Ela nos deu acesso a quantidades significativamente superiores de energia capturada, mudando e moldando todo o nosso comportamento enquanto espécie.

Energia capturada e outras métricas de bem-estar humano — O acesso a fontes de energia está diretamente relacionado com a qualidade de vida e o bem-estar dos seres humanos. Isso é facilmente observado no gráfico apresentado na seção sobre os combustíveis fósseis que mostra o aumento da população mundial após esta nova tecnologia energética ser “destravada”. A grande maioria dos avanços de bem-estar da humanidade (vacinas, banho quente, geladeiras, roupas com boa qualidade e que não pinicam e etc.) aconteceu justamente após a Revolução Industrial, momento que a humanidade ganha acesso a uma fonte energética ordens de grandeza superior.

O gráfico abaixo, do pesquisador Luke Muehlhauser, plota seis variáveis diferentes em função do tempo: I) expectativa de vida; II) PIB per capita; III) porcentagem de pessoas fora de situação de extrema pobreza; IV) energia capturada, que reflete acesso à comida, criação de animais, fogo e nos tempos modernos eletricidade; V) capacidade de guerra, uma maneira diferente de se medir os avanços tecnológicos; e VI) a porcentagem de pessoas vivendo em uma democracia.

No gráfico é possível notar como a curva da energia capturada (a linha laranja) começa a ficar mais ingrime a partir de ~1750 e que somente depois que os outros indicadores reagem. Ou seja, todas as mudanças relacionadas a expectativa de vida, PIB per capita, diminuição percentual de pessoas vivendo em condições de miséria e em democracias e mudanças tecnológicas ocorreram depois do ser humano obter acesso a mais energia devido aos combustíveis fósseis. É possível afirmar que um cidadão pobre de hoje em dia possui uma qualidade de vida significativamente maior do que reis, papas e imperadores de alguns séculos atrás. Mesmo Napoleão ou a rainha Vitoria não possuíam um mecanismo que permitisse que eles esquentassem o jantar do dia anterior em 2 minutos. Isso é resultado direto da maior quantidade de energia que a humanidade passou a conseguir capturar a partir da Revolução Industrial.

Basicamente, a possibilidade de utilização de fontes inanimadas de energia liberou o trabalho humano. Tirou bilhões de pessoas da pobreza, permitiu que a educação se tornasse universalmente disponível a todos, exceto nos países mais pobres, reduziu a mortalidade infantil por um fator de dez e possibilitou a erradicação várias doenças como a varíola e a poliomielite.

Resumindo a seção 1.5 de uma maneira extremamente simplista e intuitiva: quanto mais energia a humanidade captura, mais coisas positivas acontecem e quanto menos energia a humanidade captura, mais problemas ela enfrenta.

Sintetizando: A energia capturada pela humanidade define o grau de progresso dela ao longo do tempo. Isto fica claro quando nós analisamos I) o que ocorre quando a humanidade tem acesso a muito menos energia, como no caso de erupções vulcânicas e II) o que ocorre quando a humanidade destrava uma nova fonte de energia, como no caso do fogo (1ª Revolução Energética) e dos combustíveis fósseis (2ª Revolução Energética).

1.6. Energia desperdiçada

“A grande esperança por uma mudança rápida e eficiente para uma grade composta por majoritariamente por energias renováveis é pensamento mágico (wishful thinking)”
Vaclav Smil

A Terra possui uma vasta abundância de reservas energéticas. A imagem abaixo mostra o potencial das reservas energéticas que a humanidade tem acesso anualmente e o nosso consumo anual. Existe uma diferença gritante que mostra que fontes de energia não faltam, somente a energia solar conseguiria abastecer quase três vezes toda a energia necessária globalmente.

Reservas energéticas: potencial anual das energias finitas e renováveis

No entanto, isto não ocorre. A imensa maioria destas reservas não é utilizada e é efetivamente desperdiçada.

Por exemplo: a energia solar é de fato renovável, mas isso porque o Sol continua a brilhar (a emitir fotóns) no céu (espaço). Mas os fótons não utilizados são convertidos em calor e são perdidos diariamente. Esta energia é o que este texto chama de “energia desperdiçada”.

Se a energia solar, hidráulica, eólica, geotermal ou nuclear são tão abundantes, por que nós não utilizamos elas mais?

Se a relação de “bem-estar humano X energia captada” é realmente correta, por que a humanidade não utiliza essas reservas energéticas?

Relação entre energia capturada e bem-estar humano é uma relação direta em que quanto maior for a energia capturada, maior será o bem-estar humano.

Em outras palavras, por que as energias “verdes” são tão subaproveitadas?

A resposta tem um motivo simples: porque as energias “verdes” não são economicamente viáveis para o empreendedor que investiria na implementação de uma usina de geração de energia a partir destas fontes “verdes”.

Dois fatores interligados influenciam diretamente isso: o custo de transporte da energia elétrica e o custo de instalação da usina. Ou seja, não é viável economicamente para o empresário instalar painéis solares em todo o deserto do Saara, pois este empreendedor não teria como transportar essa energia para algum lugar. Não existem mercados consumidores nas proximidades e não é viável transportar essa energia por grandes distâncias.

E por que a humanidade não armazena essa energia em baterias para viabilizar o transporte dessa energia por grandes distâncias?

A próxima seção é justamente sobre isso: baterias e como elas moldaram o mundo como nós conhecemos hoje.

Usina Fotovoltaica Topaz Solar, California. Ela só é uma usina solar viável por estar próxima do mercado consumidor

Sintetizando: A humanidade possui muito mais energia a sua disposição do que ela tem sido capaz de utilizar. Esta energia efetivamente é uma energia desperdiçada. Isto ocorre porque as energias “verdes” ainda não são implementadas em larga escala.

1.7. Ou seja…

Existe uma relação direta entre a quantidade de energia que o ser humano consegue colocar a sua disposição (energia capturada) e o progresso e qualidade de vida de uma civilização. Este fato fica evidente quando a gente estuda o que ocorre com a sociedade quando acontecem grandes mudanças na quantidade de energia capturada pelo homem, sejam mudanças positivas como no caso do fogo e dos combustíveis fósseis, sejam mudanças negativas, como diversas erupções vulcânicas demonstram.

Dentre as diversas fontes geradoras de energia elétrica que a humanidade inventou, as chamadas energias “verdes” ainda não concretizaram o seu potencial e a grande maioria da energia solar, geotermal, hidroelétrica e nuclear que poderia ser capturada e utilizada ainda é desperdiçada. Estas fontes são renováveis e nesse sentido estarão a nossa disposição, fazendo esse desperdício incomodar menos. O que é um erro, pois o tempo não volta e utilizar menos energia no presente significa viver em uma sociedade menos desenvolvida.

--

--

Explica Bitcoin

Alguém cansado de ler tanta bobagem a respeito de um tema importante. Este espaço será utilizado para traduções e para textos autorais