Bitcoin e os pobres
Esta é uma tradução do texto “Bitcoin and the poor” publicado em novembro de 2012 pelo supostamente recém-falecido Mircea Popescu, o bitcoinheiro tóxico maximalista original e que, supostamente, possuía ~1milhão de bitcoins.
Tradução por Leta.
Com a palavra, o autor:
David Perry é um cara de tecnologia com um blog Bitcoin. Citando seu post mais recente:
“Sem dúvida, qualquer sistema que tome o lugar do sistema atual, Bitcoin ou não, acabará por precisar de um patch, depois outro e assim por diante. Para esse fim, sugiro que não é apenas nosso dever substituir o sistema atual, gostemos ou não dos banqueiros, mas também devemos ter o cuidado de nunca nos tornarmos banqueiros. O Bitcoin é descentralizado, removendo o único ponto de falha que esses bancos estão tentando defender. Bitcoin é pequeno, simples e ágil, removendo a pegada de ataque tremendamente grande que os bancos têm que enfrentar. Bitcoin é a comunidade e a comunidade é o Bitcoin — ainda somos pequenos e temos a oportunidade de determinar, até certo ponto, nossos próprios padrões de crescimento. Vamos ter certeza de que a comunidade sempre entende o que estamos fazendo aqui hoje e reconhece quando é hora de repetir a história. É um dia que espero que esteja muito distante, mas que ainda devemos planejar. Estamos cultivando as raízes da revolução monetária, vamos garantir que sejam saudáveis e profundas”.
As quinhentas ou mais palavras que precedem a citação são, em sua maioria, ultra-resumos ingênuos de um assunto vasto e mal compreendido — o tipo de prosa sem sentido que inevitavelmente compõe ensaios do ensino médio. Claro, os professores marcam com A’s e B’s porque isso é o máximo que se pode razoavelmente esperar dos adolescentes: resumo-do-resumo-do-resumo enfadonho, desinformado e desinteressante. Contanto que não esteja totalmente incorreto, ele obtém seu A.
A propósito, a mesma coisa acontece na Internet, porque isso é o máximo que se pode esperar dos vinte e poucos anos e, em grande parte, dos trinta também. Então, normalmente você aperta sua mão naquele gesto característico e continua, na maior parte do tempo. Exceto … nesta citação há uma abundância de chocantemente incorreta.
Por um lado, a noção de que “também devemos tomar cuidado para nunca nos tornarmos os banqueiros” é bobagem. Para ficar com o reino do facilmente digerível: as velhas impressoras rotativas do New York Times podem ser substituídas pelos novos métodos digitais de Trilema ou “Coding In My Sleep” ou qualquer outra coisa. O trabalho do editor, entretanto, não vai embora: as letras ainda formam as palavras e as palavras ainda precisam ser selecionadas. Esse é o editor, quer suas mãos estejam manchadas de tinta e seus pulmões cheios de poeira de chumbo ou apenas seus pulsos doam com o CTS e seus olhos estejam rosados pelo brilho do monitor, o editor é o editor. E também o colunista, seja ele funcionário ou independente, escrevendo para o jornal ou para o seu próprio blog, ao contrário do que Gregory Ferenstein gostaria de acreditar que o colunista nunca vai embora, assim como as pessoas não param de falar e passam a usando números para se comunicarem.
Então, seremos banqueiros. Neste ou naquele sistema, antigo, novo, quadrado ou redondo, desde que tenha a ver com dinheiro, seremos banqueiros. Claro, nem todos nós, ninguém precisa ser banqueiro se não quiser. Claro, não temos que usar os mesmos métodos, construções, processos ou conceitos, nem é provável que o façamos. Mas os banqueiros existirão para sempre, ou para ser mais preciso, enquanto houver dinheiro.
O que, aliás, nos leva a um ponto prático: todos os tipos de ideólogos mal-acabados, quase toda a escória culturalmente marginal que espuma nas bordas da sociedade, todos os “ativistas” e “anarquistas” e “comunistas” e “do contras” em geral, eles chamam de sua própria incapacidade de enfrentar, de realizar e de prosperar no mundo, vêem o Bitcoin como uma espécie de presente de cima, feito por seu pai diretamente para eles.
Bem … Bitcoin não é absolutamente nada disso. O Bitcoin não torna as coisas mais fáceis para os anticapitalistas, mas sim mais difíceis. O Bitcoin não torna isso mais fácil para os anticorporativistas, ele torna isso mais difícil. O Bitcoin, especialmente, não torna isso mais fácil para os socialistas, para aquelas pessoas que desprezam a hierarquia e fingem igualdade: torna isso impossível. Simplesmente impossível.
Bitcoin é a coisa mais conservadora desde, pelo menos, a rainha Victoria, se não completamente Jesus. Bitcoin torna inviáveis os chamados esquemas fiscais “progressivos”. O Bitcoin torna qualquer tipo de bem-estar público insustentável. O Bitcoin torna a pretensão de igualdade de qualquer pessoa risível. O Bitcoin não está aqui para “fazer as comunas funcionarem”, mas muito pelo contrário: tornará as comunas inoperantes e desinteressantes para quase todos. Depois de acabar com a porcaria que essas mesmas pessoas colocaram no governo, uma vez que estamos de volta a algo muito mais parecido com o que os estados escravistas tinham antes da Guerra Civil (e é exatamente para isso que estamos indo, e é exatamente isso o que foi esse conflito: uma disputa entre o Grande Governo e indivíduos — infelizmente p Grande Governo ganhou), obviamente estaremos em uma posição muito melhor para entender intuitivamente tudo isso. Afinal, a retrovisão é sempre 20/20.
Voltando, “o Bitcoin é descentralizado, removendo o único ponto de falha que esses bancos estão tentando defender” também é papo-furado. Que ponto único exato de falha os bancos estão tentando defender? Como exatamente o Bitcoin é “pequeno, simples e ágil” dado que a maldita blockchain já utiliza Gigabytes em um momento que ninguém está praticamente usando ainda? Que simplicidade é essa, quando começar a usar exige cinquenta ou cem horas de pesquisa? Como isso se compara aos bancos que enviam cartões de crédito de adolescentes pelo correio, sem serem vistos?
Toda essa regurgitação de bytes sonoros previamente engolidos inteiros tem que cessar. Não há “pegada de ataque” e, de fato, a pessoa média que mantém os seus bitcoins tem uma seção transversal atacável significativamente maior do que o banco médio (em grande parte porque o banco médio não passa por bares decadentes e tocas habitadas por prostitutas duvidosas com o cofre no bolso e as chaves no outro bolso, por exemplo). Na verdade, o total de “hacks” de Bitcoin neste ano conta entre 1 e 10% da faixa de massa monetária total. No dia em que o sistema bancário conseguir ser hackeado por 0,1% do M3, ligue para mim. Você pode fazer cobrar, eu pago.
Mas a parte mais ofensiva de tudo isso é o “Bitcoin é o sindicato dos trabalhadores e o sindicato dos trabalhadores é o Bitcoin” copiado e colado diretamente de Nadezhda Krupskaya ou alguma porcaria. Não, não é. Bitcoin não é uma “comunidade”, Bitcoin é simplesmente matemática. Ele poderia se importar menos com qualquer comunidade, nem hmm, como foi a citação …
“O Bitcoin Miner escreve; e, tendo escrito, segue em frente: nem toda a sua piedade ou inteligência o atrairá de volta para cancelar a metade de uma linha, nem todas as suas lágrimas lavarão uma palavra dela.”
Isso é o que é Bitcoin. Destino. Envie uma única transação e, em seguida, realize todas as vigílias, ativismo, protestos ou qualquer outra coisa para ela ser devolvida. Veja como isso funciona bem, por que não?
Bitcoin é o destino. Ele opera completamente fora de qualquer agência humana, mesmo que tenha sido (possivelmente) algumas pessoas que o criaram. Por tudo que você sabe sobre quem era Nakamoto …o Bitcoin poderia muito bem ter se auto criado.
A maneira como o destino funciona é bastante simples: faça a coisa certa e você participará dela. Faça a(s) coisa(s) errada(s) e você ficará no escuro, amontoando-se nos cantos, se perguntando o que deu errado e por que o “mainstream” e o “sistema” o oprime tanto. E essa “coisa certa” quase nunca tem nada a ver com o que “a comunidade” pensa, quer ou imagina.
Afinal, é matemática.