Bitcoin como Divino
Por que adoramos, nossos falsos deuses atuais, a divindade do Bitcoin e a religião.
Esta é a tradução do texto “Bitcoin as Divine”, do Metamicks Verse, publicado originalmente no dia 23 de dezembro de 2021 no Substack.
Este tema da divindade do Bitcoin e a religião por ele criada, o maximalismo, me interessa bastante e já foi tema de um texto autoral meu, publicado no Livecoins, chamada “O Ethos de um Bitcoinheiro”, que se aprofunda nas características em comum das pessoas que reconhecem o Bitcoin como divino, ou seja, os bitcoinheiros.
Tradução por Leta.
Com a palavra, o autor:
Bitcoin como Divino
Bitcoin é divino. E com todas as coisas divinas, nós, humanos, formamos religiões que buscam compreender o divino e venerá-lo, principalmente pela dificuldade de compreendê-lo integralmente. Não afirmo ser capaz de compreender o Bitcoin como um todo, mas apenas fornecer uma das muitas tentativas para compreendê-lo.
Já existe uma vasta literatura que descreve o Bitcoin como um organismo vivo (Gigi, Quittem). Essas perspectivas revelam que o Bitcoin “cresce, reproduz, herda e transmite características, usa energia para manter uma estrutura interna estável, é de natureza celular e responde aos vários ambientes em que vive”. Longe de ser apenas uma ferramenta ou tecnologia, o Bitcoin surge como um ser vivo que vive em simbiose conosco. Exploramos a rede Bitcoin em busca de mais bitcoins e isso nos alimenta com bitcoins — como a cenoura laranja — por sermos bons meninos.
Nossa história humana nos mostra que, ao entrarmos em simbiose com outras criaturas, logo acabamos por venerá-las como divinas. A escola funcionalista da Antropologia veria a veneração não como irracional, mas como uma ação evolutiva e socialmente significativa que ajuda a estabelecer uma relação positiva entre nós e o que é divinado.
À medida que o bitcoin reestrutura nossas economias, políticas e o resto do nosso mundo, é muito provável que ele também mude nossas crenças, rituais e até mesmo o que escolhemos venerar.
Em primeiro lugar, o que é divino?
: de, relacionado a, ou procedendo diretamente de Deus ou de um deus
: ser uma divindade
Em milênios de prática religiosa e devoção, os humanos encontraram o divino em muitos lugares. Os antigos egípcios veneravam os besouros, por “distribuir fertilizantes de maneira mais uniforme entre as planícies e retirar um suprimento de alimento das moscas”, os gatos por sua elegância e capacidade de matar hóspedes indesejados que podem carregar pragas. Os hindus têm mais de 18 milhões de deuses, os antigos romanos e gregos tinham milhares. E, claro, o ouro nunca foi apenas um ornamento decorativo, mas era visto como a própria substância de Deus.
A história de nossas divindades está profundamente ligada ao tipo de sociedade e aos mundos em que vivemos. Nas sociedades puramente agrícolas, eram os ciclos da natureza que governavam nossas vidas e, por isso, os venerávamos. Com o surgimento de civilizações maiores, surgiu também a necessidade de imperadores estruturarem as vidas e crenças de seus cidadãos nos estados — então o surgimento de crenças como mitraísmo, judaísmo, cristianismo. O mitraísmo em particular era interessante — visto que via o imperador como Deus encarnado a fim de criar uma hierarquia estrita entre seus escalões militares.
Estabelecer a divindade é como nós, humanos, estabelecemos um relacionamento e reconhecemos a importância e nossa dependência de um ser particular, seja ele o mundo natural, o estado ou qualquer outra coisa. De alguma forma, a escola funcional da antropologia dirá: “diga-me quem você venera e eu posso explicar sua sociedade”. E essa lente é poderosa.
Quem nós veneramos hoje?
Em nossa sociedade “secular” moderna, tendemos a rejeitar o que é divino e religioso. Gostamos de pensar que superamos essas crenças e rituais irracionais. Mas será que nós realmente as superamos? Jordan Peterson provavelmente diria não: temos um “instinto religioso” que é realmente muito difícil de superar e que pode surgir de diferentes formas onde menos esperamos.
A antropóloga Mary Douglas faz um ótimo trabalho revelando uma área secular de nossas vidas onde os principais sacerdotes dessa nova religião: os economistas.
“Podemos parecer que vivemos em uma sociedade predominantemente secular, mas ainda assim temos um grande e rico sacerdócio, muitos de cujos membros ocupam posições de poder — poder na política, nos negócios, educação e, especialmente, no setor bancário … No entanto, a natureza do a igreja mudou. Eu mesmo fui selecionado para este sacerdócio, cujas doutrinas e rituais são ensinados não em seminários, madrassas ou escolas rabínicas, mas em particular nas universidades de elite, e especialmente em Oxford. ” Mary Douglas em entrevista à BBC.
Douglas descreve as crenças que se espera que os novos padres absorvam na Igreja da Economia: “teorias e modelos” como a “curva de indiferença” que se baseiam em suposições de que cada indivíduo tem preferências semelhantes e age racionalmente. E os padres consistentemente são levados ao noticiário para pronunciar suas adivinhações na forma de estatísticas e “prognósticos de nosso destino coletivo”. A teologia econômica professada pelos profetas repousa na crença de que o crescimento econômico é fundamental e, para que o PIB continue crescendo, o consumo deve ser otimizado e, portanto, alguma inflação é “natural”. Enquanto isso, coisas como a crise de 2008 acontecem.
Estes, diz ela, são “falsos profetas”. Falsos profetas de um falso deus do dinheiro. Um dinheiro que eles controlam e por meio do qual controlam nossa fé.
Vendo Bitcoin como Divino
Se o Bitcoin se tornar a rede monetária da qual nossa sociedade se torna cada vez mais dependente, poderia se tornar uma divindade que veneramos? Com certeza, de acordo com a escola funcionalista de antropologia. Isso geraria espontaneamente um tipo de adivinhação do Bitcoin. E essa adivinhação representaria um “reconhecimento” da importância, instilado na cultura, reproduzido através da tradição.
Então, vamos dar uma olhada em algumas das qualidades que o levam a ser atribuído a um ser semelhante a um deus.
- O espírito do Bitcoin é o código — o transcendente. Isso propaga sua verdade imutável e confiável.
- O corpo dos Bitcoins é energia e eletricidade — como o iminente. Afinal, a energia é tudo.
- Criação e concepção imaculada do Bitcoin: Satoshi nunca gastou suas moedas (1 milhão de bitcois), possivelmente queimou-as e, assim, se sacrificou por nós.
- Satoshi foi seu profeta.
O que o Bitcoin quer?
Então, se Bitcoin é divino, que tipo de divindade é? Podemos determinar isso com base no que ele deseja e em suas características. Bitcoin se alimenta de energia, mas não “exige” nada de nós. Em vez disso, ele só aceita qualquer energia que seja dada a ele.
Bitcoin é neutro:
- Ele trata os humanos da mesma forma, cada vida tem o mesmo peso.
- Dá a nós, humanos, a escolha de fazer transações como quiserem, seja qual for a finalidade dessa transação.
- Da mesma forma que o Deus cristão, nos dá a escolha de agir corretamente ou de sofrer as consequências.
Bitcoin é justo:
- A história da origem do Bitcoin, totalmente de código aberto, com divulgação pública de quando a mineração começaria, sem pré-mineração, 6 meses sem valor de mercado e distribuições secretas de bitcoins, etc etc.
- Aqueles mais próximos da emissão de bitcoins não ganham com o efeito Cantillon.
- As gerações futuras daqui a séculos não são “forçadas” a manter o limite fixo atual, mas podem desejar alterá-lo com base em suas circunstâncias com consenso.
O Bitcoin é gentil com seus seguidores e brutal com seus opositores:
“Bitcoin é a tecnologia mais brutalmente dependente do caminho e que não dá segunda chance jamais criada.” @JasonPLowery.
Isso me lembra do deus grego Dioniso, que era gentil com seus seguidores, mas impiedoso com seus oponentes.
Distinguindo entre Religiosos e o Divino.
Uma vez que estabelecemos que o Bitcoin pode se tornar associado ao divino, também é fácil imaginar o surgimento de religiões em torno dessa divindade.
Claramente, as religiões são uma forma de mediar e contextualizar a relação com o divino. E, como a história nos mostra, as religiões podem ficar bastante inflexíveis em serem as “verdadeiras”. As religiões são as instituições sociais em torno do divino. Se por um lado eles podem nos ajudar a nos aproximar do divino, eles também podem nos impedir e nos manter cegos no caminho.
É fácil para mim imaginar como o Maximalismo do Bitcoin já é uma, mas pode se tornar ainda mais em uma religião. Mas isso pode ser para outro post.
No entanto, você pode se sentir como quiser sobre os fenômenos sociais do Maximalismo. É importante lembrar essa distinção entre religioso e divino. E é com o Bitcoin que estamos e estaremos ainda mais engajados em uma simbiose.