Aprendizados em El Salvador

Explica Bitcoin
8 min readNov 19, 2021

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Faz 12 dias que cheguei em El Salvador. Vim para cá com o objetivo de entender e sentir na pele como é viver em um país em que a moeda oficial é o Bitcoin e participar da conferência Adopting Bitcoin, sobre a adoção do Bitcoin e Lightning Network (sigla LN e em português Rede Relâmpago). Esse texto é um relato sobre minha experiência e aprendizados por aqui.

Serão duas seções, uma focada em contar um pouco do que eu consegui absorver conversando com a população local e a outra focada em contar minha experiência na conferência e como é encontrar outros bitcoinheiros na vida real.

Bitcoin e os salvadoreños

Como meu objetivo nessa viagem era entender melhor a relação da população com o Bitcoin, eu decidi passar 3 semanas em El Zonte, a famosa Bitcoin Beach, onde todo o processo de adoção de El Salvador teve início. Um ótimo bônus é que aqui é uma praia com onda boa para surf, então também aproveitei para surfar todos os dias.

Eu encontrei somente duas pessoas preferiam ser pagas em dólar do que em bitcoin. O motivo é simples: elas nunca tiveram acesso a nenhuma forma de dinheiro digital, então são bastante receosas e desconfiadas. Para elas dinheiro precisa ser tocado. Este é um ponto justíssimo e que com certeza ainda será problemático por muitos anos. O ser humano naturalmente tem receio e desconfiança do novo, e com o Bitcoin não é e nem será diferente.

Também escutei três pessoas relatando que seus familiares não confiavam no Bitcoin porque foi algo imposto pelo governo. Como essas pessoas não gostam do atual governo, elas transferiram a desconfiança para o Bitcoin. Isso é verdade inclusive para quem gosta do Bitcoin por aqui: para muito deles, Bitcoin é diretamente associado ao governo. Esse com certeza é um ponto que merece consideração, pois o Bitcoin é essencialmente apolítico, mas isso não fica claro para a população quando um governo impõe o seu uso.

Caixa eletrônico da Chivo no aeroporto de San Salvador

Um fator de grande preocupação é a carteira Chivo, utilizada por mais de 90% da população. Ela é uma carteira centralizada que utiliza um token próprio. Ela é integrada com a LN, mas a experiência não é fácil e muitos salvadorenhos não entendem como a utilizar. Até existem outras carteiras sendo utilizadas, especialmente a Muun, a Exodus e a Blue, mas elas são a pequena minoria.

Como ponto positivo da utilização da Chivo, posso citar que a gasolina recebe um bom desconto, saindo de $4 para $3,70 por galão de combustível. Isso é uma vantagem constantemente citada pelos salvadorenhos. Outra coisa positiva que favoreceu a adoção é que inicialmente todos os salvadorenhos receberam $30 na sua Chivo, o que incentivou eles a aprenderem a usar a carteira e, em menor escala, a LN e o Bitcoin.

Comecei o texto falando dos lados negativos e das ressalvas somente para (tentar) me manter imparcial, pois a realidade é muito mais bonita do que isso. Essas pessoas com receio são uma pequena minoria das pessoas com que eu conversei.

A reação mais comum quando você pergunta sobre bitcoin aqui é um sorriso no rosto. Geralmente os salvadorenhos entenderam muito bem a mudança que o bitcoin está proporcionando em suas vidas. A maioria deles gosta muito do presidente, mas mesmo os que não gostam reconhecem que essa política em específico é positiva. Isso faz sentido, quando nós nos lembramos que cerca de 23% do PIB de El Salvador é proveniente de remessas internacionais. Essas remessas enfrentavam taxas altíssimas das empresas tradicionais, como a Western Union, o que significa que a população recebia uma quantia significativamente inferior da enviada pelos seus parentes que moram no exterior. Além disso, para a população que não é de San Salvador, a capital do país, sacar as remessas implicava em uma viagem longa e com transporte de baixa qualidade, filas e a necessidade de transportar esse dinheiro vivo na volta da viagem. Ou seja, eles perdiam muito tempo que poderia ser utilizado para ficar com suas famílias ou desenvolver alguma nova habilidade. Basicamente, este tempo era roubado deles. Além disso, El Salvador é um país considerado perigoso e viajar com valores altos em dinheiro vivo pode te transformar em um alvo fácil, tal qual ocorre no metro de São Paulo ou no busão do Rio de Janeiro.

Além disso, muitos jovens relatam que agora eles podem sonhar com um futuro melhor, o que os leva a querer economizar dinheiro. Antes, caso eles quisessem economizar, eles não possuíam acesso a uma simples conta poupança, visto que cerca de 70% da população do país era desbancarizada. Agora, graças ao bitcoin, eles possuem uma maneira de armazenar o fruto do seu trabalho em segurança.

É comum conversar com taxistas, garçonetes e vendedores ambulantes que relatam os ganhos que o Bitcoin trouxe em suas vidas. Vários deles passaram a receber mais dinheiro dos seus parentes, o que permitiu que eles melhorassem a infraestrutura de suas vidas. Seja com um liquidificador novo, seja com a troca do estofamento do seu carro, ou até mesmo podendo largar um segundo emprego e utilizando o tempo livre para aprender inglês e programação.

Vendedor ambulante na praia de El Zonte

Um dos encontros mais bacanas que ocorreu foi quando eu estava com outros dois bitcoinheiros fazendo uma trilha no pé de um vulcão. Nós estávamos conversando sobre bitcoin (obviamente), o que chamou a atenção de um menino de 14 anos. Ele apertou o passo para nos alcançar e começou a conversar conosco. Ele minera shitcoins e converte elas em bitcoin já há algum tempo e está vislumbrando um futuro melhor. El Salvador é um país pobre, então aqui os jovens nunca tiveram muita esperança. Suas opções antigamente estavam restritas a emigrar para os Estados Unidos para fazer trabalhos braçais ou entrar para alguma gangue local. Esse menino tem uma alternativa diferente graças ao bitcoin e ao universo cripto de maneira geral.

Com certeza ainda existe muito trabalho a ser feito. Grande parte da população ainda entende pouquíssimo sobre o bitcoin e o que ele representa, e o trabalho de educação deve continuar a ser feito. Mas é inegável que a frase “Bitcoin is hope” (“Bitcoin é esperança”) representa verdadeiramente o que está ocorrendo em El Salvador.

PFão que me acolheu na grande maioria das refeições. Quem for a El Zonte em algum momento, recomendo fortemente o restaurante da Roxy
Lá na Roxy o meio de pagamento preferido é o bitcoin

A conferência e os bitcoiners

Eu preciso começar essa seção falando um pouco sobre mim. Eu sempre fui introvertido, tenho alguns poucos e bons amigos, mas a realidade é que nunca foi fácil para eu me conectar com outras pessoas. Quase sempre levou tempo, e na maioria das vezes isso me dá tanta preguiça que eu abro mão. Nunca fui alguém que gostava de assuntos idiotas, e nunca tentei disfarçar isso. Em poucas palavras: eu sempre me senti e ainda me sinto meio deslocado na sociedade normie. Acho muito do que acontece nela extremamente idiota e sem valor algum, coisa de gente vazia e superficial.

Ao longo da minha carreira acadêmica eu participei de diversas conferências nacionais e internacionais. Apresentei trabalho nelas e até fui reconhecido com algumas premiações de melhor trabalho de estudante e esse tipo de coisa. Mas a verdade é que eu sempre achava tudo uma bosta. Nunca me sentia motivado, sempre achava todos que estavam nessas conferências pretensiosos, pessoas que estavam constantemente tentando aparecer e mostrar que “o meu é maior que o seu”. Quase como uma expressão de carne e osso do linkedin (e como eu odeio o linkedin, um bando de gente pretensiosa tentando aparecer e se mostrar competente).

Nada disso que eu descrevi nesses parágrafos se aplica a conferência Adopting Bitcoin e aos bitcoinheiros presentes nela.

Palestra de abertura da conferência Adopting Bitcoin

Sobre a conferência: como é bonito ver e sentir que estão lá com os mesmos objetivos e conectados com os mesmos ideais. Uma rede aberta e descentralizada de pessoas que trocam informação e que se ajudam francamente. E isso só é possível devido as pessoas que frequentam ela.

As palestras foram ótimas e etc, muitos aprendizados. Mas sinceramente, essa é a parte menos importante, então nem vou focar nessas palestras.

CEO da OkCoin, a única exchange americana que é integrada com a LN
Stephan Livera e Stacy Herbert na primeira parte da “palestra” No Fucks Given do Max Keiser.

Sobre os bitcoinheiros: nada do que eu disse sobre a minha dificuldade de conexão se aplica aqui. É impressionante como estar com pessoas que acreditam e compartilham dos mesmos valores faz diferença. Em 2 minutos de conversa a sensação é de estar reencontrando um amigo que você não via a muito tempo, e isso é verdade tanto com o bitcoinheiro plebeu desconhecido (meu caso e de vários outros), como com pessoas como o CEO da Breez, o CEO e COO da Ibexpay ou a CEO da Lightning Labs. A conexão é instantânea.

Em um mundo repleto de pessoas vazias e superficiais, nós somos a excessão. Somos aqueles que não nos importamos com credo ou cor, e sim com crenças e valores. Não importa se eu estava conversando com uma emigrande palestina, com um engenheiro inglês, com um grupo de noruegueses, com um programador americano ou um triatleta argetino, a conexão sempre foi instantânea. Pode parecer exagero para quem não vivênciou esse tipo de encontro, eu também acharia isso. Lembro de ter lido os bitcoinheiros americanos relatando isso no twitter após a conferência Bitcoin 2021 e ter ficado bastante cético a respeito. Mas é realmente como encontrar amigos e irmãos que você não sabia que tinha. Pessoas como eu, que não se importam com superficialidades e que mergulham fundo em conversas ao invés de fazer “small talk (algo como conversas de elevador). Fora os gringos, também foi fantástico conhecer a tribo de bitcoinheiros brasileiros na vida real. Contangorila, Kaka e Carol (as meninas da usecripto), Lucas Ferreira, o pessoal da Biscoint, o Victor (de uma empresa de caixas eletrônicos? Foi mal, não lembro).

Depois desses 12 dias, posso dizer que minha convicção só aumentou. O movimento de adoção do Bitcoin por El Salvador é algo lindo que está trazendo ótimos frutos para essa nação. Para mim, hoje nada faz mais sentido que, nas palavras de Michael Saylor, servir à deusa da Sabedoria e alimentar o fogo da Verdade. Ou seja, nada no mundo faz mais sentido do que se dedicar totalmente ao Bitcoin.

Fix the Money, Fix the Individual, Fix the World. Conserte o Dinheiro, Conserte o Individuo, Conserte o Mundo. Uma visão mais completa do famoso ditado bitcoiner de “Fix the Money, Fix the World”

Eu estou cada vez mais bullish (otimista) com o Bitcoin? Sim. Principalmente por causa dos bitcoinheiros. Ou como o povo do twitter gringo diz “bullish on bitcoiners!”

Vocês bitcoinheiros são a minha tribo, a familia que eu escolhi para mim. Juntos, nós estamos construindo um mundo melhor, mais justo e lastreado na Verdade. Só posso dizer que é uma grande honra e emoção fazer parte deste movimento.

“SIM”

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Written by Explica Bitcoin

Alguém cansado de ler tanta bobagem a respeito de um tema importante. Este espaço será utilizado para traduções e para textos autorais

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