A última palavra sobre o consumo de energia do Bitcoin

Explica Bitcoin
8 min readMay 13, 2021

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Esse texto é uma tradução comentada do texto “The Last Word on Bitcoin’s Energy Consumption” do Nic Carter, sócio da Castle Island Ventures, um fundo de Venture Capital focado em blockchain e cofundador da Coin Metrics, uma startup de dados analíticos da blockchain. Todos os comentários estão assinalados, de forma que o pensamento original do autor do texto está preservado.

Tradução por Leta.

Com a palavra, o autor:

Muita tinta já foi utilizada em torno da questão da pegada energética do Bitcoin. Mas, entre tentar explicar certas incompreensões e corrigir calculos errados, nós perdemos de vista as questões principais. E qualquer pessoa que queira adentrar nesse debate frustrante precisa considerar os fundamentos antes de chegar a uma avaliação.

Energia é um fenômeno local!

Vamos começar pelo básico. Muitas pessoas que reclamam da pegada energética do Bitcoin olham para o consumo energético e assumem que alguém, em algum lugar, está sendo privado de eletricidade por causa deste ativo voraz. Não somente não é o caso, como a presença do Bitcoin, na maioria das vezes, não afeta o preço da energia em nada, pois esta energia não está sendo utilizada. Mas, como assim?

A primeira coisa é entender que a energia não é globalmente fungível. A eletricidade decai assim que ela deixa o seu ponto de origem; é caro transportá-la via linhas de transmissão. No mundo todo, cerca de 8% da eletricidade é perdida durante a transmissão. Mesmo as linhas de transmissão de alta voltagem sofrem perdas, tornando caro transportar a eletricidade por longas distâncias. É por isso que nós falamos da grade energética, é necessário produzir energia praticamente em todos os lugares, especialmente perto de centros urbanos.

[comentário do tradutor: esse mesmo raciocínio vale para várias outras commodities também, e o custo e distância de transporte muitas vezes é o aspecto mais relevante na viabilidade de execução de um projeto. Isso também é verdade para a água, o que significa dizer que o FUD “os gringos vão invadir o Brasil para pegar nossa água” não faz o mínimo sentido. É (e será cada vez mais) economicamente mais viável dessalinizar água do mar do que transportá-la para outro continente.]

Quando você considera a utilização do Bitcoin surgem padrões interessantes. Dados do Cambridge Center for Alternative Finance confirmaram o que nós já sabemos faz tempo: a China é o epicentro da mineração do Bitcoin, mais especificamente as regiões dominantes são Xinjiang, Sichuan e Mongólia Interior. Com a cooperação dos pools de mineração, os pesquisadores de Cambridge conseguiram geolocalizar os IPs de uma fração considerável dos mineradores ativos, criando um novo conjunto de dados e nos dando novos insights em como o Bitcoin consome energia.

Os resultados são reveladores: Sichuan, a segunda região com maior hashpower (atrás apenas de Xinjiang) é uma região em que houve construção em excesso de usinas hidrelétricas na última década. A capacidade hidroelétrica de Sichuan é o dobro do que as linhas de transmissão podem suportar, levando a redução da produção de energia ou ao seu desperdício. As barragens só conseguem armazenar uma quantidade limitada de energia na forma de água em seus reservatórios antes de serem obrigadas a abrir as comportas. Abrir as comportas significa jogar fora energia potencial gravitacional, que poderia ser convertida em energia elétrica, literalmente é jogar energia fora. Não é segredo que esta energia que, em outro caso seria desperdiçada, é utilizada na mineração de Bitcoin. Se o custo local da sua energia é efetivamente zero, mas você não consegue vender esta energia pois não consegue transportar ela para outras localidades, a existência de um comprador global de energia é um presente dos deuses.

Existe um precedente histórico para este fenômeno. Outras commodities já são utilizadas para exportar energia, efetivamente suavizando as oscilações do mercado global de energia. Antes do bitcoin, o alumínio era utilizado neste propósito. Uma grande parcela do custo de produção do alumínio é o custo energético envolvido na fundição do minério de bauxita. Atualmente a Islândia se aproveita da energia barata que o país tem acesso, em particular na forma de energia hidroelétrica e geotermal, e se tornou um grande polo de fundição de bauxita. O minério de bauxita é embarcado da Austrália e China até a Islândia, onde a bauxita é fundida e embarcada de volta para o mundo todo, inclusive para a China.

Isso leva a célebre frase de um economista islandês de que “a Islândia exporta energia na forma de alumínio. Hoje em dia a Islândia está tentando replicar este modelo de exportação de energia via data storage. É por conta disso que os fornos de fundição estão localizados onde a eletricidade é abundante e onde os consumidores locais não consomem toda a capacidade de produção energética. Hoje, muito destas fundições estão sendo convertidas em minas de Bitcoin, incluindo uma velha planta de fundição da Alcoa no norte do estado de Nova Iorque. Os paralelos históricos são primorosos em sua aptidão.

Para sintetizar, parte do argumento é que uma das razão do Bitcoin consumir tanta energia é por conta da China ter baixado o preço da energia ao construir usinas elétricas em demasia devido a um planejamento central falho. Em um mundo sem Bitcoin, este excesso de energia seria utilizado para a fundição de alumínio ou simplesmente seria desperdiçado.

Meu modelo mental favorito para pensar a respeito do tema é o seguinte. Imagine um mapa topográfico do mundo, mas com o custo local de eletricidade como a variável que determina os picos e vales, e não a altitude do terreno. Adicionar Bitcoin na matriz energética mundial equivale a colocar um copo de água sobre este mapa 3D — a agua vai preencher os vales e suavizar a topografia como um todo. Com a rede do Bitcoin como comprador global de energia a um preço fixo, faz sentido para os mineradores buscarem os locais com energia muito barata. É por conta disto que muitos produtores de petróleo (e que o negócio resulta em produção de muito metano que é emitido na atmosfera) tenha desenvolvido um entusiasmo na mineração de Bitcoin recentemente. Na perspectiva climática, o Bitcoin tem um saldo positivo. O Bitcoin prospera na margem, onde a energia é desperdiçada.

É sóbre o mix da matriz energética

Outro erro comum de quem usa o argumento energético para tentar difamar o Bitcoin é ingenuamente extrapolar a partir da energia consumida e encontrar as emissões de CO2 equivalentes sem levar em conta a matriz energética. E o que importa é o tipo de energia sendo consumida, visto que a energia não é homogênea do ponto de vista de pegada de carbono gerada. O que importa é a fonte de energia sendo gerada. Os artigos acadêmicos que são vinculados incessantemente pela imprensa tende a assumir uma matriz energética constante no nível mundial ou de país. Tanto Mora et al. (2018) como Krause e Tolaymat (2018), dois artigos publicados na principal revista de ciencias naturais do mundo, geraram inumeras manchetes, mas são baseados nestas extrapolações ingênuas entre o consumo energético e suas emissões de CO2.

Mesmo que uma grande quantidade de Bitcoin seja minerado na China, não faz sentido utilizar a emissão média de CO2 chinesa para analisar a mineração de Bitcoin na localidade. Como discutido acima, o Bitcoin sempre busca as regiões com desperdício de energia, como no caso de Sichuan, que é uma fonte de energia relativamente verde (energia hidroelétrica). Qualquer estimativa minimamente confiável tem que considerar estes fatores também.

O lado bom das coisas

A expectativa é ainda melhor quando você considera a natureza variável dos custos com segurança do Bitcon. Cerca de 78% do estoque total de bitcoins (21 milhões) já foi minerado. Devido ao histórico do preço do bitcoin na sua fase inicial, quando a maioria dos bitcoins foi emitida, os mineradores coletivamente foram recompensados com cerca de 17 bilhões de dólares, assumindo que as moedas foram vendidas no ato de mineração. Hoje estas moedas valem cerca de 160 bilhões de dólares.

Se o Bitcoin acabar valendo substancialmente mais no futuro (digamos, uma ordem de magnitude a mais), então o mundo terá na realidade recebido um desconto nesta emissão. A externalidade de energia de puxar esses Bitcoins para fora do éter matemático terá realmente sido muito baixa, devido à contingência histórica de quando, de acordo com o preço, estes bitcoins foram minerados. Em outras palavras: o custo energético da produção do Bitcoin pode acabar parecendo extremamente barato em análises futuras, visto que as moedas só precisam ser emitidas uma vez. E é melhor para o planeta que elas tenham sido emitidas quando o preço estava mais baixo, fazendo com que a energia gasta para extrair elas proporcionalmente baixo.

Como qualquer observador do Bitcoin sabe, a emissão como um fator de lucro do minerador irá declinar com o tempo. O halving da semana passada cortou a emissão de novos Bitcoins para os mineradores pela metade. Se eu tivesse que adivinhar, as reduções periódicas do Bitcoin pelo menos compensarão sua valorização no longo prazo, tornando improvável o crescimento descontrolado dos gastos com segurança. As taxas vão passar a representar uma fração muito maior da receita dos mineradores. Essas taxas possuem um teto natural, pois quando elas ficam muito elevadas os usuários vão utilizar outras layers secundárias como a Lighting Network.

Portanto, é improvável que os gastos com energia resultem em um looping de feedback que consuma toda a energia do mundo, como espalhado pela imprensa popular. No longo prazo, o consumo energético do Bitcoin é uma função linear do gasto com a sua segurança. Como qualquer outro serviço público, a disposição do público em pagar pelo espaço do bloco determinará os recursos que são alocados para fornecer o serviço em questão.

Mas, e vale a pena?

É inegável que o Bitcoin consome muita energia e também produz externalidades na forma de emissão de CO2. Isto não está em questão. O que os bitcoinheiros são frequentemente confrontados sobre se o Bitcoin tem uma reivindicação legítima sobre qualquer dos recursos da sociedade. Esta é uma questão que se baseia numa lógica utilitarista sobre quais indústrias devem ter o direito de consumir energia. Na prática, ninguém estrutura um pensamento assim. As mesmas pessoas que reclamam do uso de energia do Bitcoin são complacentes em relação ao uso de luzes de natal para iluminar a cidade, ou a utilização energética de data centers no Netflix. É claro que por conta da pegada energética do Bitcoin ser fácil de quantificar — e um objeto de repulsa entre as classes tagarelas — ele é destacado e recebe um tratamento “especial”.

No fim, é uma questão de opinião se a existência de um bem monetário sintético e não-estatal é uma boa ideia. A verdade é que um espaço no bloco é um serviço pago, e é do uso da energia que seu custo é derivado. Algo que é comprado não pode ser, por definição, um desperdício. O comprador deriva benefícios pela existência desse espaço no bloco, não importando a opinião subjetiva de qualquer outra pessoa sobre o mérito da transação. Estes mesmos argumentos também foram utilizados várias vezes sobre o “custo” percebido no padrão ouro, e desbancadas com argumentos semelhantes anteriormente.

Fundamentalmente, milhões de pessoas em todo o mundo ainda valorizam a poupança física independente de bancos, então ela ainda é arrancada do chão com regularidade. Enquanto as pessoas valorizarem o Bitcoin, assim, também, o leilão do espaço em bloco continuará para sempre.

Os preocupados com a energia Bitcoin não precisam se desesperar, no entanto. Existe uma solução. Tudo o que eles precisam fazer é persuadir os fãs de Bitcoin a usar e valorizar um meio de liquidação alternativo. A melhor aposta deles será desenvolver um sistema que seja ainda mais seguro, ofereça garantias mais fortes, resolva mais rápido, preserve mais a privacidade e seja mais resistente à censura — tudo sem usar a Prova de Trabalho. Esse sistema seria milagroso. Estou esperando com a respiração suspensa.

[comentário do tradutor: uma reflexão interessante é se perguntar o porquê de não existerem diversas usinas de energia solar no Deserto do Saara. A resposta é “porque não existia, até a invenção do Bitcoin, uma forma de armazenar e transportar a energia até o mercado consumidor”]

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Alguém cansado de ler tanta bobagem a respeito de um tema importante. Este espaço será utilizado para traduções e para textos autorais